2.4.12


LUÍS AMARO


CREPÚSCULO

Saudade o que sinto
no íntimo da alma
e segreda baixinho?

Calou-se o mundo.
Já me não perturbam vozes
alheias... Estou sozinho

e é quase noite. Vou,
pela rua, esquecido
do dia que findou,

e é qual uma doçura
a envolver-me, a mim
que já supunha ferido

da vida... Caminho,
os outros seguem... Eis-me
num canto de jardim

a divagar... E penso:
porquê esta saudade
dum bem que nunca foi?

Ah, de ilusões vivemos!
Inda que sejam falsas,
nós próprios as erguemos.

E a noite nasce, branda…
Regresso, já saudoso
desse anónimo instante
breve, silencioso


(de Dádiva, 1949 / in Diário Íntimo, &etc, 2006)

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