18.6.12


FERNANDO GUERREIRO


A pretensão em traduzir por escrito
o que, ao arrepio da faculdade
de simbolização da linguagem,
um dia tinha sentido talvez fosse
o que mais o incomodava na poesia.
De facto, que nome dar ao que,
retirando-se, põe em dúvida
a própria possibilidade do mundo
através da palavra encontrar
para o desconhecido
a promessa de um sentido?
Não era a linguagem que dava
corpo à verdade mas o real,
confirmado na sua ausência,
que obrigava as palavras
a alucinar-se produzindo
o monstro capaz de ocupar
o lugar na parede que, apenas
por existir, impedia o mundo
de sobre si ter ruído. Qualquer
nome de que nos servíssemos
continha em si a memória
atormentada de um corpo
em que as palavras estagnaram,
puxando-o para o fundo,
para a réstea de luz
de que se constitui,
presa dos limos,
a matéria seca do discurso.


(de Caminhos de Guia, Black Sun editores, 2002)

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