19.6.12

JORGE DE LIMA



CANTO III
POEMAS RELATIVOS

X

Vós não viveis sozinhos,
os outros nos invadem,
felizes convivências,
agregações incômodas,
enfim ambientalismos,
e tudo subsistências
e mais comunidades;
e tantas ventanias,
acotovelamentos,
desgastes de antemão,
acréscimos depois,
depois substituições,
a massa vos tragando,
as coisas vos bisando;

os hábitos, os vícios,
as moças embutidas
mudando vossas cartas;

sereis administrados
no sono e nos pecados,
vós mapas e diagramas
com várias delinqüências,

e insanidades várias,
dosando o vosso espaço,
pesando o vosso pão
de tempos racionados;
e não tereis vivido
e não tereis amado,
porém sereis morrido.

XIII

Uma janela aberta
e um simples rosto hirto,
e que provavelmente
nela se debruçou;
e nesse gesto puro
do rosto na janela
estava todo o poema
que ninguém escutou;
só a janela aberta
e o espaço dentro dela
que o tempo atravessou.

XIV

O conto era um dia,
um dia futuro,
e dentro do dia
incluído o conforme,
e dentro o que foi
porque fora isso
se tal não se dera,
se o mundo parasse
e o espaço se excluísse;
se a pedra não fosse
o símbolo que era,
pois tudo era um dia,
um dia sem dia,
porém com o poeta
que um dia seria.


(de Invenção de Orfeu, 1952)




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