CARLO VITTORIO CATTANEO
PONTO DE INTERSECÇÃO
quando ressoa a flor de sombra
- arbusto às vezes ou charco sem confins -
escuto os passos dentro-fora
e no fulcro solar da lâmpada
rebenta a secretária (o azul expande-se
em corolas de branco: um enxame
terrível de canetas
sonha incestos de tinta e de palavras)
porque ninguém quererá arrancar-me a esta cadeira
se tu me chegas de raízes inominadas
e me confundes no dúplice reflexo
do teu sorriso da tua distância
água de monte escorre num fluir de objectos
para a cama abandonada gelo para o vazio
à janela — observo
espelho de mim cada cauto desfolhar-se
dentro-fora dos meus estratos de sombra
e o tormento de emergir antigo
com a geológica sageza de um menino
esmago o cigarro e agrumulam-se os passos
nestes muros marcados pela tua ausência
(aquele menino já morto a cada morte do mar
se ergue por vezes: é uma onda que volta a ferir)
na semente oculta da flor de sombra
as vozes corroem outra luz
quando a presa ria entre escolhos
inflamando a garganta de túrgidas invenções
- o sol dentro: fora um gotejar de sal:
a minha lâmpada amarela arrastada por azul tenaz
hoje que o pranto não paga
aquela aterrada sageza — nada mais resta
senão a poeira a ameaçar-te o rosto
e o reencontrar-te por trás de cada distância
(anexo a uma carta para Jorge de Sena, datada de «Roma, 9 de Maio de 1978», com tradução de Jorge Fazenda Lourenço, in Correspondência 1969-1978 - Jorge de Sena e Carlo Vittorio Cattaneo, Guimarães editores, 2013 - original posteriormente incluído em Cronache e Palinsesti, 1980)
PONTO DE INTERSECÇÃO
quando ressoa a flor de sombra
- arbusto às vezes ou charco sem confins -
escuto os passos dentro-fora
e no fulcro solar da lâmpada
rebenta a secretária (o azul expande-se
em corolas de branco: um enxame
terrível de canetas
sonha incestos de tinta e de palavras)
porque ninguém quererá arrancar-me a esta cadeira
se tu me chegas de raízes inominadas
e me confundes no dúplice reflexo
do teu sorriso da tua distância
água de monte escorre num fluir de objectos
para a cama abandonada gelo para o vazio
à janela — observo
espelho de mim cada cauto desfolhar-se
dentro-fora dos meus estratos de sombra
e o tormento de emergir antigo
com a geológica sageza de um menino
esmago o cigarro e agrumulam-se os passos
nestes muros marcados pela tua ausência
(aquele menino já morto a cada morte do mar
se ergue por vezes: é uma onda que volta a ferir)
na semente oculta da flor de sombra
as vozes corroem outra luz
quando a presa ria entre escolhos
inflamando a garganta de túrgidas invenções
- o sol dentro: fora um gotejar de sal:
a minha lâmpada amarela arrastada por azul tenaz
hoje que o pranto não paga
aquela aterrada sageza — nada mais resta
senão a poeira a ameaçar-te o rosto
e o reencontrar-te por trás de cada distância
(anexo a uma carta para Jorge de Sena, datada de «Roma, 9 de Maio de 1978», com tradução de Jorge Fazenda Lourenço, in Correspondência 1969-1978 - Jorge de Sena e Carlo Vittorio Cattaneo, Guimarães editores, 2013 - original posteriormente incluído em Cronache e Palinsesti, 1980)
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