HÉLIA CORREIA
DOIS POEMAS
1.
Tranco solidamente as portas. Casas há
que nasceram sob os pulsos
quando as magras mães dos mortos
arquejavam nas grutas junto às campas.
Casas de centros sucessivos. Essas que vós, os mortos,
sugeristes na indignação final.
Em surdina eu vos fujo para sempre
no mais dentro das coisas. Nas parábolas.
E nada aqui vos chora. Vossas noivas
pariram noutros leitos. Nada em nossas cidades
vos repetiu ainda em febre ou hino
Vede que nem o pão mudou
nem as pequenas danças ou os servos.
Tudo vos deram pois, mesmo o perdão
por vossa morte ousada
nossas bocas tremendas arquivadas na rocha.
Ouço o abismo e tranco o meu repouso.
Casas há que os mortos construíram
no seu modo de andar inquieto e são.
Casas tão pensativas que seu mármore afunda
largos veios de raiva e à noite cercam
externamente os ritos
em que a cidade alonga a sua história.
Casas que como um lodo nos recebem
no esquecimento. Casas lentas. Prévias.
Hoje apesar de vós moramos poucos
deste lado da trégua. E mal sabemos
quantas horas durou o vosso sangrar.
Mortos, morrei de novo. Morrei sempre
no grande encontro dos poderes da terra.
Mortos nas negras mães que vos suspendem
no cérebro da lua.
Como se vos amássemos ainda.
2.
Contigo partilhei os vários leitos
dos amigos dispersos. Mesas, sumos,
os degraus mal ardidos do terror.
Contigo um pouco em cada aldeia, enquanto
nada de nós podia ultrapassar
as paredes dos outros que jaziam
no repouso e no largo e tu compravas
permanecendo os nomes tumulares.
Já então começávamos a longa
inelutável morte dos estios
e eu colhia os agoiros nas fornalhas
de infatigável pão. E cada noite
um maior julgamento nos calava.
Já então nos vestíamos nos cantos
de antigamente sós. Contigo, aos poucos,
recomeçava o frio e as grandes vagens.
De terra em terra, humilde, e raramente
antecedendo a desamor final. Sem transição. Sem dor.
E hoje penso que sobreviverei sem ti
ainda quando a névoa sobreposta nos deixar
tão nus como se de hábitos nascêssemos.
(in Poesia 71, selecção de Fiama Hasse Pais Brandão e Egito Gonçalves, editorial Inova, 1972 - originalmente publicado em «Sintoma», suplemento do «Jornal do Centro»)
DOIS POEMAS
1.
Tranco solidamente as portas. Casas há
que nasceram sob os pulsos
quando as magras mães dos mortos
arquejavam nas grutas junto às campas.
Casas de centros sucessivos. Essas que vós, os mortos,
sugeristes na indignação final.
Em surdina eu vos fujo para sempre
no mais dentro das coisas. Nas parábolas.
E nada aqui vos chora. Vossas noivas
pariram noutros leitos. Nada em nossas cidades
vos repetiu ainda em febre ou hino
Vede que nem o pão mudou
nem as pequenas danças ou os servos.
Tudo vos deram pois, mesmo o perdão
por vossa morte ousada
nossas bocas tremendas arquivadas na rocha.
Ouço o abismo e tranco o meu repouso.
Casas há que os mortos construíram
no seu modo de andar inquieto e são.
Casas tão pensativas que seu mármore afunda
largos veios de raiva e à noite cercam
externamente os ritos
em que a cidade alonga a sua história.
Casas que como um lodo nos recebem
no esquecimento. Casas lentas. Prévias.
Hoje apesar de vós moramos poucos
deste lado da trégua. E mal sabemos
quantas horas durou o vosso sangrar.
Mortos, morrei de novo. Morrei sempre
no grande encontro dos poderes da terra.
Mortos nas negras mães que vos suspendem
no cérebro da lua.
Como se vos amássemos ainda.
2.
Contigo partilhei os vários leitos
dos amigos dispersos. Mesas, sumos,
os degraus mal ardidos do terror.
Contigo um pouco em cada aldeia, enquanto
nada de nós podia ultrapassar
as paredes dos outros que jaziam
no repouso e no largo e tu compravas
permanecendo os nomes tumulares.
Já então começávamos a longa
inelutável morte dos estios
e eu colhia os agoiros nas fornalhas
de infatigável pão. E cada noite
um maior julgamento nos calava.
Já então nos vestíamos nos cantos
de antigamente sós. Contigo, aos poucos,
recomeçava o frio e as grandes vagens.
De terra em terra, humilde, e raramente
antecedendo a desamor final. Sem transição. Sem dor.
E hoje penso que sobreviverei sem ti
ainda quando a névoa sobreposta nos deixar
tão nus como se de hábitos nascêssemos.
(in Poesia 71, selecção de Fiama Hasse Pais Brandão e Egito Gonçalves, editorial Inova, 1972 - originalmente publicado em «Sintoma», suplemento do «Jornal do Centro»)
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