GIORGIO AGAMBEN
Temos medo sempre e apenas de uma coisa: da verdade. Ou mais
precisamente, da representação que nos fazemos dela. De facto, o medo não é
simplesmente uma falta de coragem face a uma verdade que nos representamos de
forma mais ou menos consciente: há um outro medo que precede este, e que está
implicitamente presente no próprio facto de nós termos fabricado uma imagem da
verdade, e, de uma maneira ou de outra, lhe termos sabido o nome e termos
experimentado o pressentimento. É este medo arcaico contido em toda a
representação que tem no enigma a sua expressão e o seu antídoto.
Isto não significa que a
verdade seja qualquer coisa de irrepresentável que nós nos apressamos a
assimilar às nossas representações. Pelo contrário, a verdade começa apenas no
instante a seguir ao momento em que reconhecemos a verdade ou a falsidade de
uma representação (na representação, ela só pode ter uma de duas formas: “Afinal
era mesmo assim!”, ou então “Estava enganado!”). Por isso, é importante que a representação
pare um instante antes da verdade; por isso, só é verdadeira a representação que
representa também a distância que a separa da verdade.
(excerto do capítulo «Ideia do enigma», in Ideia da Prosa, tradução, prefácio e notas de João Barrento, Livros Cotovia, 1999)
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