FERNANDO GUIMARÃES
Esquecemo-nos muitas vezes que a realidade é o termo de um diálogo que, inconscientemente, se desenvolveu no tempo através de muitos encontros. Fomos nós e os outros quem o tornou possível até se dar a sua apropriação através de uma linguagem. No contacto que temos com os objectos, estes absorvem uma multiplicidade de sentidos que se depõem como outros tantos limiares de acesso à sua e à nossa presença.
Vai-se dando, assim, uma significação aos seres que se transformam progressivamente ou adiam uma forma onde, como diria Rilke, o “perder é ainda nosso”. Dizer casa ou árvore equivale por vezes a invocar algo mais do que o indício que nos permita reconhecer ou localizar coisas que entre árvores e casas o são também. Dizê-lo é ou poderá significar o conhecimento radical que cada ser em face do homem suscita e que os diversos modos de o desligar invocam. Só nesse momento saberemos medir a casa pelo seu equilíbrio, pelo espaço que ela nos restitui cheio de significações; e que a árvore se tornará tão autêntica para nós como a realidade das estações que a atravessam ou o fogo futuro em que a sua presença brilha. Ou que, ainda, pode uma casa ser tão completa e solitária como uma árvore.
A acção do poeta consistirá em inventar ou atribuir uma ordem, um equilíbrio, a esses significados, a esses valores. E, pelo caminho das palavras, regressa-se de um mundo que se tornou ausente, embora os múltiplos sentidos que tal caminho nos propõe acabem por preencher totalmente essa ausência
(excerto de «Poesia e Sentido», in Conhecimento e Poesia, Oficina Musical, 1992)
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