[ontem, no Museu Nacional Soares dos Reis, no Porto pude constatar como um simples busto de gesso pode transmitir o espírito sofrido de uma obra inteira. Refiro-me ao busto de Ruben A. pelo escultor Salvador Barata Feyo]
RUBEN A.
Nasceu em Lisboa em 1920.
Licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas, foi: professor do ensino secundário; leitor em King's College, Universidade de Londres; funcionário da Embaixada do Brasil; Administrador da Imprensa Nacional-Casa da Moeda; Director-Geral dos Assuntos Culturais do Ministério da Educação e Cultura, depois do 25 de Abril.
Foi ainda ficcionista, dramaturgo, historiador, crítico literário e divulgador cultural.
Morreu em Londres, em 1975.
(...)
Eu preocupei-me sempre comigo, essa é a principal razão da minha existência. Fui assim e pelos anos que me restam tenho cá ainda muito material para trabalhar. Não ofendo ninguém com esta maneira de ser; deixo mesmo a outros mais matéria para se espraiarem, não meto o bedelho na vida alheia - e isto dói àqueles que desde o pequeno-almoço se preocupam com o que os outros fazem. Eu só me preocupo comigo, o resto é uma paisagem humana com altos e baixos, rios e desertos, lagos e oceanos. O que me interessa sou eu, ver cá para dentro e debruçar-me no poço fundo. Ao começo não se enxerga quase nada, daí a pouco os olhos ficam mais habituados e as formas a desenhar-se; aparecem limos, umas flores nascem dos sítios mais ingratos, o reflexo sobe e desce, a atmosfera ilumina-se de uma luz muito especial que os nossos olhos atiram por aquele mundão abaixo. Pois esse poço não tem fundo; por mais que eu lhe beba os ingredientes não consigo secá-lo. Surge sempre matéria inesperada, que nasce de geração espontânea; das paredes do poço coisas novas ressumam que se vão precipitando na fundura.
Posso dizer, pela experiência que tenho tido, que viver assim debruçado cá para dentro é apaixonante. Mundo que não conhece maldades, não se perverte de encontro a outros, que se deslumbra ao registar vários eus transitando em várias épocas e enriquecendo a estrutura de um eu que vai progredindo, incólume, exacto, fio de navalha na sua própria alma.
(...)
(do prólogo a O Mundo à Minha Procura, 2ª ed: Assírio & Alvim, 1992 - 1ª ed: 1966)
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