[Nuvens...]
JOHANN WOLFGANG GOETHE
Domingo, 30 de Abril, Karlsbad
O velho jogo das nuvens a dissipar-se e a engrossar, mas sem resultados visíveis.
(de O Jogo das Nuvens, selecção, tradução, prefácio e notas de João Barrento, Assírio & Alvim, 2003 - Gato Maltês)
JOSÉ MÁRIO SILVA
curriculum vitae
Maternidade de Port-Royal, dois de março de mil novecentos e setenta e dois, dez e vinte da manhã. O primeiro grito, o primeiro choro, a primeira luz nos olhos, o primeiro ar nos pulmões. Depois, o leite quente da mãe. Depois, fraldas, pó de talco, colheres de papa, banhos com bonecos de borracha. Depois, as primeiras letras, a tabuada, o quadro negro, o recreio, joelhos rasgados, as férias infinitas. Depois, o corpo a crescer, o mundo a aumentar, as coisas a ganharem outra espessura. Depois, uma teia de alegrias e dúvidas e escolhas e decepções e incertezas e recomeços e júbilos e esperanças, constelação que não desenha - ainda - qualquer figura.
(de Curriculum Vitae & Outros Poemas, incluído em A Semiologia Segundo Tarzan Taborda - Colectânea de textos de Jovens Criadores 2002, Clube Português de Artes e Ideias e Íman edições, 2003)
[...& labirintos]
JORGE LUÍS BORGES
O fio da fábula
O fio que a mão de Ariadne deixou na mão de Teseu (na outra estava a espada) para que este se aventurasse no labirinto e descobrisse o centro, o homem com cabeça de touro ou, como pretende Dante, o touro com cabeça de homem, e o matasse e pudesse, já executada a proeza, decifrar as redes de pedra e voltar para ela, para o seu amor.
As coisas aconteceram assim. Teseu não podia saber que do outro lado do labirinto estava o outro labirinto, o do tempo, e que num lugar já fixado estava Medeia.
O fio perdeu-se, o labirinto perdeu-se também. Agora nem sequer sabemos se nos rodeia um labirinto, um secreto cosmos ou um caos ocasional. O nosso mais belo dever é imaginar que há um labirinto e um fio. Nunca daremos com o fio; talvez o encontremos e o percamos num acto de fé, num ritmo, no sono, nas palavras que se chamam filosofia ou na mera e simples felicidade.
Cnossos, 1984.
(de Os Conjurados - tradução de Fernando Pinto do Amaral)
POEMS FROM THE PORTUGUESE
Há 2 horas
Sem comentários:
Enviar um comentário