[SONETOS À SEXTA-FEIRA]
GREGÓRIO DE MATTOSAo conde de Ericeira, D. Luiz de Meneses, pedindo louvores ao poeta, não lhe achando ele préstimo algumUm sonêto começo em vosso gabo;
Contemos esta regra por primeira,
Já lá vão duas, e esta é a terceira,
Já êste quartetinho está no cabo.
Na quinta torce agora a porca o rabo:
A sexta vá também desta maneira,
Na sétima entro já com grã canseira,
E saio dos quartetos muito brabo.
Agora nos tercetos que direi?
Direi, que vós, Senhor, a mim me honrais,
Gabando-vos a vós, e eu fico um Rei.
Nesta vida um sonêto já ditei,
Se desta agora escapo, nunca mais;
Louvado seja Deus, que o acabei.
(fixação do texto de Gilberto Mendonça Teles)
OLAVO BILAC
VIA LÁCTEAEm mim também, que descuidado vistes,
Encantado e aumentando o próprio encanto,
Teres notado que outras coisas canto
Muito diversas das que outrora ouvistes.
Mas amastes, sem dúvida... Portanto,
Meditai nas tristezas que sentistes:
Que eu, por mim, não conheço coisas tristes,
Que mais aflijam, que torturem tanto.
Quem ama inventa as penas em que vive:
E, em lugar de acalmar as penas, antes
Busca novo pesar com que as avive.
Pois sabei que é por isso que assim ando:
Que é dos loucos sòmente e dos amantes
Na maior alegria andar chorando.
ALPHONSUS DE GUIMARAENSEstão mortas as mãos daquela Dona,
Brancas e quietas como o luar que vela
As noites romanescas de Verona,
E as barbacãs e tôrres de Castela...
No último gesto de quem se abandona
A morte esquiva, que apavora e gela,
As suas mãos de Santa e de Madona,
Inda postas em cruz, pedem por ela.
Uma esquecida sombra de agonias
Oscula o jaspe virginal das unhas,
E ao longo oscila das falanges frias...
E os dedos finos... ai! Senhora, ao vê-los,
Recordo-me da graça com que punhas
Um cravo, um lírio, um goivo entre os cabelos!
JORGE DE LIMA
MISSÃO E PROMISSÃONão a vaga palavra, corruptela
vã, corrompida folha degradada,
de raiz deformada, abaixo dela,
e de vermes, além, sobre a ramada;
mas, a que é a própria flor arrebatada
pela fúria dos ventos: mas aquela
cujo pólen procura a chama iriada,
- flor de fogo a queimar-se como vela;
mas aquela dos sopros afligida,
mas ardente, mas lava, mas inferno,
mas céu, mas sempre extremos. Esta sim,
esta é que é a flor das flores mais ardida,
esta veio do início para o eterno,
para a árvore da vida que há em mim.
VINICIUS DE MORAES
SONÊTO DO GATO MORTOUm gato vivo é qualquer coisa linda
Nada existe com mais serenidade
Mesmo parado ele caminha ainda
As selavas sinuosas da saudade
De ter sido feroz. À sua vinda
Altas correntes de eletricidade
Rompem do ar as lâminas em cinza
Numa silenciosa tempestade.
Por isso ele está sempre a rir de cada
Um de nós, e ao morrer perde o veludo
Fica torpe, ao avesso, opaco, torto
Acaba, é o antigato; porque nada
Nada parece mais com o fim de tudo
Que um gato morto.
MARIA ÂNGELA ALVIM
A PEREGRINACalma, sim, acostumada
ao teu convívio constante
és a pessoa encontrada
sendo eterna itinerante.
Passas na comum estrada
e só tu passas durante
a multidão variada
de rostos para o levante.
Às vezes paras na estância
sem nenhum morno cansaço
de quem caminha com ânsia.
Entendes de todo engano
e fazes virar o passo
com tu pífaro indiano.
CARLOS PENA FILHO
SONETO DAS DEFINIÇÕESNão falarei de coisas, mas de inventos
e de pacientes buscas no esquisito.
Em breve, chegarei à cor do grito
à música das cores e dos ventos.
Multiplicar-me-ei em mil cinzentos
(desta maneira, lúcido, me evito)
e a estes pés cansados de granito
saberei transformar em cataventos.
Daí, o meu desprezo a jogos claros
e nunca comparados ou medidos
como estes meus, ilógicos, mas raros.
Daí também, a enorme divergência
entre os dias e os jogos, divertidos
e feitos de beleza e improcedência.
LUPE COTRIM GARAUDE
DESTINO MINERALSou feita de uma carne perecível
futuro de outra carne, sem nenhuma
eternidade. A rocha é uma invencível
parte da terra; que ela me resuma
no seu mesmo destino mineral.
A solidez ausente que tortura
nossa matéria frágil, no final
se renderá: serei de pedra dura.
Nunca mais chorarei nessa passagem
de poesia. Com nítida certeza,
recorto nas montanhas minha imagem
mais que raiz, expressa na beleza.
Pela terra em que não me desfiguro,
hei de surgir um dia em cristal puro.
STELLA LEONARDOS
HARPEJOSQualquer coisa de terno e eterno encanto
deste canto em que estamos nos transcende,
um fresco germinado por manhãs
de pássaros que passam pelo ar cedo,
flagrante deflagrar virgem fragrância,
rufar de asas passantes pluma e seda.
Antes que haja plateia deste instante
já lhe doamos o nosso pensamento.
Cálido, o coração atinge um plano
de surdina nos tons ternura plena
onde entre vós e nós não vai distância
mas a saudade só calada e assente.
Àqueles em que calam acalantos
calor desse cantar feito acalento.