NATÉRCIA FREIRE
O ÚLTIMO DIA
Haverá penas, lágrimas, adeuses
no sótão velho da abafada Lua.
Para os ouvidos lentos dos malteses
um realejo tocará na rua.
Sob o capricho em onda, do Milagre,
fulge o Anjo de cílios descaídos.
Das mãos lhe escorre um rio cor de almagre
que inunda a Lua de astros pervertidos.
Qual um quadro já baço, de cem anos,
a luz do gás desenha, mansa e triste,
uma orquestra de tímidos ciganos,
para a canção do amor que não existe.
(À janela da Lua, debruçados,
são os maltese puros e alados.)
Ressoa em lume, a velha carruagem,
pela calçada que conduz à vida.
Os maltese suspeitam da viagem;
mas têm a mão suapensa e distraída.
Quando o último dia começar
no sótão velho da abafada Lua,
haverá penas, lágrimas, adeuses,
e para os ouvidos lentos dos malteses
um realejo tocará na rua.
(de Poemas, 1957)
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