2.6.06

[para uma antologia de bicicletas - 8]

PAPINIANO CARLOS

OS CICLISTAS


A Vasco de Magalhães-Vilhena

Com um surdo rumor de escavadora
ressoa no subsolo a tua voz.
Muitos tapam os ouvidos delicados.
Outros escondem-se para não ouvir.
E outros estremecem de pavor.
Mas, rápidos, os ciclistas pedalam
na bruma dos subúrbios ao teu encontro.
Rosto baixo, mãos no guiador, pés
bem firmes nos pedais, geram
o movimento, o ritmo alado
das máquinas frágeis que cavalgam
ao amanhecer. Perpassam como espectros
sob a bruma e juntam-se, confluem,
avançam como um rio poderoso
sobre a cidade adormecida.
Os ciclistas. Os que erguem os andaimes
e fazem girar os fusos dos teares.
Os que movem as gruas. Os que transportam
o dinamite nas mãos calosas.
Os que não sabem envelhecer de tédio
à mesa do café nem vivem de mercadejar
preservativos, palavras, casas pré-fabricadas.
Os que não sonham morrer em glória
como jovens deuses trespassados na batalha.
Os que não hão-de apodrecer, como muitos
de nós, roídos de lepra e desespero.

Esses merecem bem a tua voz, Orfeu.

(de Os Ciclistas, in A Ave Sobre a Cidade, livraria Paisagem, 1973)

1 comentário:

Vitor_Vicente disse...

Volta à Literatura em bicicleta ?
Etapa obrigatória em França. N`«As Delícias», do Jacques Laurent, e «32500 Francos», do Roger Vailland. Dois escritores c` uma pedalada do caraças!