9.7.06

JOÃO CANDEIAS

este hemisfério

I


quando o homem se senta na sua
cadeira de para quê e escreve
uma labareda inunda de chamas
o apenas lume que parece.
e dentro delas há um corpo eros
que se derrama na efabulação do mito
de tanto ser e da verdade que parece.
pouco a pouco como as orbitas do tempo
se vão construindo os pesadelos sonoros:
algumas falas que de dia se insinuam
de noite fingem dormir atormentadas.
por isso minha avó não teve úlceras
duodenais nem flatos coronários.
ela não tinha a moral inventada
dos párias que agora a têm.
e eros dormia um sono de aguadas
azuis e telas francas.
no ventre um báratro mistério
esguio azougue e invasões de mel.
telhas que se desmoronavam e medravam
quando a ressurreição da fé perdida
gerou um pai que foi o meu


II

retomo o labirinto das adagas
de seu fio uma distância inerme;
como espelhos medem a errância
do gesto, enquanto a certeza divaga
se silaba numa fractura de segundos
destruídos.
passam à janela algumas hordas
límpidas de flâmulas coruscantes
e gritam o sangue cardeal das artérias
que dão o ponto norte e o pólo oposto

(de Ignição Ozone, espiral, 1984)

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