19.9.07

ALEXANDRE SARRAZOLA

Cruz Quebrada - Dafundo


quatro papagaios mignons cruzam o céu da Cruz Quebrada
verdes e lestos sobre as antenas dos prédios
contra a brancura concreta dos estendais dos terraços
desaparecem dolorosamente como caças japoneses
em acrobacias crepusculares (numa fita muda)

aqueles dois nonagenários (nonagenários era em 89)
de bom grado os guardariam nos olhos: mãos dadas,
a fumar: dando idílicos passeios em círculos
nos quadrados de relva entre os prédios;
eram os dois chineses; tinham vindo de Maputo aonde
haviam chegado de Goa; ele, sempre de boné vermelho,
tinha combatido na de 39-45 ao lado dos japoneses;
eram donos daquele restaurante na Avenida Brasília:
"O Suíça"

ficávamos a ver as mãos dela nas dele, sobre o tampo
de contraplacado azul claro da mesa do café: muito mirrados
a perderem-se no olhar um do outro

quatro papagaios mignons contra o céu da Cruz Quebrada
(cheios de swing)
como figuras envernizadas entre as demais pinceladas baças
um instante de ornitoepifania (em movimento):
eis que rompem o azul sobre os cafés da praça
e me privam da memória dos velhos

(de Thaumatrope, Averno, 2007)

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