RAUL DE CARVALHO
O perfume que às vezes, à noite, resvala
da madeira para o coração.
Cuidado, coração, não morras:
tudo de ti depende.
Que coisa há, coração,
que não dependa de ti,
de tuas pétalas contínua, continuamente trémulas?
Coração, eu te coloco
no galo de oiro,
no cimo, no cimo da torre!
Coração, eu te coloco
na origem.
Casa imóvel dos músculos,
cérebro sempre cheio,
olhos, olhos meus preferidos
por que substituís
a boca -
É verdade que sois
uma e a mesma
porção de fatalidade?
Peito engolindo
sem dar por isso
o ar da manhã:
Há um sorriso
para trocar
por outro sorriso:
Há uma criança
que quer ser teu filho:
Há um dia que quer
ser bom para ti!
Com versos semelhantes aos teus
eu podia produzir
a tranquilidade.
Com essa desesperada confiança
que tens em ti nos outros na existência em Deus
eu podia produzir
a tranquilidade.
Com esse teu inimitável modo
de ler versos humanos em tom divino
eu podia produzir
a tranquilidade.
Com o teu sangue e o meu
eu podia produzir
a tranquilidade.
IV-55.
(de Poemas inactuais, 1971)
POEMS FROM THE PORTUGUESE
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