25.4.08

[lembrando uma fugaz conversa ontem à noite, com um recém regressado de San Francisco]

LAWRENCE FERLINGHETTI

EM PERÍODO DE REVOLUÇÃO POR EXEMPLO


Acabava de mandar vir um prato de peixe ao balcão
quando três belas pessoas
completamente fodidas entraram
não sei como nem porquê
pensei que deviam ser
fodidas excepto
que eram muito lindas
dois homens e uma mulher
com belos cabelos louros
bem arranjados e
com vestes de desporto
como se viessem de descer
duma velha Stutz
descapotável
aberta com raquetas de ténis
e a mulher avançou a enormes passos
até ao fundo do restaurante
encontrou uma mesa vazia
e voltou
para buscar os outros dois
acenando
com elegância
sorrindo imperceptivelmente
e todos os três
avançaram lentamente para a mesa
como se não tivessem medo
de nada nem de ninguém
naquele lugar e
tomaram posse do sítio
com lindas expressões e
a lindíssima mulher
instalou-se com graça
no sofá ao lado
do mais novo dos dois homens
ambos tinham
cabelos castanhos ondulados não muito longos
cortados como os campeões
de ténis de Hollywood ou em todo o caso
como visitantes duma outra cidade
mais elegante que a nossa e
de toda a evidência gente de bem
e mais educados que qualquer outro
nesse lugar
eles pareciam pertencer aos Kennedys
e não tinham neles uma gota de sangue
Índio ou Italiano
ela tinha sem dúvida
vários caminhos em sua frente
com seus dois homens
um deles podia ser
seu irmão
não o podia imaginar levando
uma carabina
e ela não parava de esfregar os cabelos
com tanta graça
tirando-os da frente dos olhos e
sorrindo a ambos
e a nada em particular
que pudesse imaginar e
seus lábios mexiam-se com graça
num suave sorriso
eu tentava imaginar o que
ela podia estar a dizer com
seus lábios perfeitos sobre
seus dentes perfeitamente brancos
seus olhos que caíam de vez em quando
sobre o balcao onde
gente ordinária estava sentada
comendo tranquilamente
seu ordinário almoço
enquanto as três belas criaturas que
se podiam encontrar não importa onde
pareciam prontas a mandar vir
qualquer coisa de especial e
de o comer com gelados e cigarros e
meu peixe acabou de chegar
com aspecto mal descongelado e
completamente plastificado mas
decidi comê-lo mesmo assim
Ela era uma criatura magnífica e eu
senti-me como Charlie Chaplin comendo seu sapato
quando seus olhos pousaram sobre mim
o Modern Jazz Quartet
tocava nos altifalantes e
noutras circunstâncias
em período de revolução por exemplo
talvez ela me beijasse.

(in A Boca da Verdade, tradução do americano de André Shan e Isabelle Lima, edição do Autor e do Tradutor, 1986 – original de Open Eye, Open Heart, 1973)

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