RUI DINIZ
DO EXÍLIO
Os anos ecoavam suavíssimos. Um vento escuro
furava as escarpas. Nos olhos azulados do tempo
o desgosto alastrava. Era
como o tactear de um cego silêncio, um livro
indecifrável, som repetido pela chuva, humedecendo
o cérebro. Do quarto onde me tinham posto eu via
o mar. Quando me fatigavam podia contemplar as
tapeçarias. Eram velhas cenas de caça, veados
desfalecendo sob as furiosas matilhas. E, montados
nos seus fogosos cavalos, senhores impassíveis,
contemplando...
Alguns, principalmente à noite, pousavam em
mim os olhos consumidos na interminável
melancolia.
Enquanto ouvia Chopin, brilhavam-me nos lábios
as terríveis lágrimas do regresso. A leste da casa
o mar devorava.
O aborrecimento tomou-me a maior parte desses
dias.
Ah, pudesse eu estar em Espanha, nas vilas quentes.
Ou no sul, nas ardentes praias do mediterrâneo.
Pouco a pouco fui pensando na morte, na afinal
inútil persistência desses dias e noites cheias de tédio.
Uma manhã acordei sobressaltado por estranhas
profecias: vira o meu corpo rolando, alucinado,
pelas escarpas da costa e as aguas estremecendo
quando me recebiam…
Uma noite, por fim, quando me suicidei, vi, por
entre as mãos, como o poema se desfazia,
ameaçando...
(de Ossuário (ou: A Vida de James Whistler), &etc, 1977)
Há mais vida para além do azul
Há 3 horas
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