6.8.08

ELIAS SIMOPOULOS

SEIS DE AGOSTO

I
A Página Branca


Manhã alta. Fatigada cidade.
Calma a cidade.
Como em todas as tardes.
Nada anuncia
este inferno de fogo,
esta bárbara invasão do incêndio
que fica maior, incrivelmente maior,
depois da catástrofe.
A glória selvagem da noite iluminada
que em versos de lume
em versos de brilho maravilhoso
escreve o destino do mundo.

Hoje
seis de Agosto
de mil novecentos e quarenta e cinco
procuramos a página branca
de amanhã.


II
A Obra do Incêndio


Hiroshima está morta. Hiroshima
não existe. A obscuridade da tarde
estendeu crepes negros
sobre a terra transtornada
e as casas devoradas pelo incêndio.
Descansai, instrumentos do vento.
Descansai, mandíbulas do incêndio.
O vosso trabalho acabou.
Os homens, fantasmas incontroláveis,
morrem nas ruas em chamas
despedaçando o silêncio da noite
com seus gritos
de horror.
- Vento, salva-nos da destruição e do nada.
- Chuva, salva-nos dos dentes do incêndio.
- Fogo, salva-nos das sombras da noite.


III
A Lamentação do Mundo


Carpideiras, a vossa hora chegou de vez. A morte
não espera. A morte não espera. A morte.
Quem conduziu a morte à vossa porta?
Quem abriu este profundo tumulo em nosso coração?

Lamentações e incêndios extinguiram-se.
Já não existe a cidade.
Nas ruas os derradeiros vivos, fantasmas,
correm derramando gritos desarticulados,
marchando sobre
montanhas de cadáveres queimados
e troncos sem cabeças,
e há gemidos e queixas de crianças,
terríveis maldições de mães na
hora do parto, na hora da agonia,
notas inaudíveis da mais trágica lamentação
da história do mundo.


IV
Fim do Mundo


O mar transformado em rasca envia raios e relâmpagos.
O céu é tempestade e chuva de ferro e fogo.
A terra é um vulcão e vomita chumbo derretido.

Este é o sangue que bebemos
na taça da nossa miséria e onde nos embriagamos
no excessivo calor do mês de Agosto
que acende a nossa febre. As cerejeiras
floridas, cobertas de lâmpadas, iluminam
as mãos disseminadas dos órfãos.
As inumeráveis multidões de estrelas
olhando-nos com tristeza. As nuvens
dos pássaros vestidos de luto
cobrindo o céu, calando o angustioso pesadelo…
Ah! quem dissipasse tudo isto
quando vier o dia!

Mas se tudo isto não é loucura e sonho,
se tudo isto não é febre e embriaguez,
então em verdade chegou
a consumação do mundo.


V
A Mão


Verdadeiramente
ninguém perguntou
o que transformou a mão
que lançou a bomba
sobre Hiroshima?

Ela circula
perto de nós, nas ruas,
como todas as mãos
do mundo, trabalhando
a terra, escrevendo
versos, fazendo
o sinal da cruz,
acarinhando a fronte
da mãe, os cabelos
da amada, as faces
de veludo das crianças.

Ou está espreitando
na confusão da
noite, o dedo
no gatilho, pronta
a aniquilar o que
resta do incêndio
de Hiroshima?

Verdadeiramente
nunca pensastes
na hora em que apertais,
calorosamente, outra mão,
diante de todas as mãos
do mundo, nunca
pensastes na mão
que lançou a bomba
sobre Hiroshima?


VI
Nosso Grande Irmão


Robert Oppenheimer,
nosso grande irmão,
qual o anjo
que te assiste,
qual o demónio
que te escarnece,
enquanto, inclinado
sobre tuas equações
de múltiplas incógnitas
abrias a rota dos sputniks,
desenhavas as avenidas dos planetas
e sonhavas o amor
e sonhavas a paz
e gravavas sobre o parto da esperança
o luminoso futuro do mundo?

Mas o futuro do mundo
não se escreve
com línguas de fogo.
Não o sabias?
Por que não te lembravas
dos humildes pescadores
de Hiroshima? As cerejeiras floridas
nas margens da Primavera? Os sorrisos
das crianças? As raparigas
de corpos de cipreste
e de sobressaltos amorosos?

O amor não tem pátria.
O céu não tem pátria.
O sol não tem pátria.
O futuro do mundo está nos nossos corações.

Como te esquecias de tudo isto
enquanto, inclinado sobre as
tuas equações, de múltiplas
incógnitas, semeavas
a ruína em Hiroshima?


VII
A Vida Nova


Não quero chorar.
Eu cantarei
a Primavera triunfante,
que leva a nossa dor
para longe desta devastação
na hora do Inverno.

Não quero chorar.
Eu irei pelos campos ouvir
o belo poema da Primavera
no pensamento das rosas,
ouvir a voz do rio que
leva os barcos
com todos os contos de
fadas, que o avô contava,
com todos os sonhos da juventude.

Saúde e alegria para ti, Vida, que vens!
Saúde e alegria para ti, Vida, que trazes
à nossa casa a certeza e o sol
ao nosso coração. Um
mar sorri, para que nele afoguemos
nossa tristeza, e as estrelas
iluminarão, nas trevas,
os nossos sonhos.

No alto céu
cada um de nós colherá uma estrela.
Não somos agora
fantasmas da noite.
Porque todos os caminhos,
juncados de flores, nos conduzem
à região luminosa do Futuro.

(tradução de Jonas Negalha, in Mákua – antologia poética 5-6, publicações Imbondeiro, 1964)

3 comentários:

tb disse...

gosto da escolha feita. Mas não vi cá trabalhos teus. Porque não? Afinal eles são de grande nível (para mim, claro) (clar oqeu te descobri, foste tu que me deste a chave da porta para entrar aqui ):)

beijinhos da ne*

panaceia disse...

Nagasaki - mais de 70 mil mortos.

Nunca mais oh bomba atômica
Nunca em tempo algum, jamais
Seja preciso que mates
Onde houve morte demais:
Fique apenas tua imagem
Aterradora miragem
Sobre as grandes catedrais:
Guarda de uma nova era
Arcanjo insigne da paz!

Vinicius de Moraes

alfredo montrezza disse...

Excelente trabajo de investigacion y la cita de Jonas Negalha como traductor de ese poema incendiario de un Griego profundo y mal entendido.
Estoy escribiendo algo inedito sobre Jonas Negalha como Obispo Ortodoxom que casi nadie sabe de esa etapa de su vida, pero necesito una foto de el, y aun no la consigo. Si pueden Ayudar agradezco. Desde argentina.
Alfredo Montrezza
monsalfredo@yahoo.es