CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
1945
Outubro, 5 – No apartamento de Manuel Bandeira, para pedir-lhe autógrafo no álbum de uma amiga de Maria Julieta. Conta-me que recebeu há dias carta de uma prima freira, na qual se falava de uma santa que teve o coração transverberado (atravessado de luz). A palavra invocou-o, sem que entretanto lhe viesse à idéia fazer um poema de que ela fosse núcleo ou participante. Eis que, domingo, o poeta almoçou “com uma pequena”, e depois estiveram em intimidade. Veio-lhe a seguir o estado de modorra, durante o qual compôs mentalmente um soneto, com título e tudo: “O lutador”. No dia seguinte, escreveu a peça, mudando-lhe apenas uma palavra. O “coração transverberado” aparece no fecho do soneto; composto todo ele em estado de semiconsciência, não como ato de inteligência, diz Bandeira.
Nota de 1980: O poeta narra o caso em sei Itinerário de Pasárgada, publicado em 1954: “Tanto este soneto como Palinódia são coisas que tenho que interpretar como se fossem obra alheia.”
(de O Observador no Escritório, editora Record, 1985)
Sem comentários:
Enviar um comentário