13.10.08

[(há 40 anos) Bandeira e Pavia morreram no mesmo dia IV]

ARNALDO SARAIVA / MANUEL BANDEIRA

Ontem, hoje, amanhã: a vida inteira,
teu nome é para nós, Manuel, bandeira.
Procuro, em vão, pelas paredes da casa do poeta, esta lapide que para ele poliu um outro poeta, que, estreante, por ele foi entusiasticamente saudado e que com ele vem trocando uma amizade bem brasileira (pernambucana e mineira), palavras como só eles sabem, em verso e prosa, trabalhos editoriais, e a glória da autoria de alguns dos melhores poemas da língua portuguesa deste século.

(…)

Quase 50 anos são passados sobre a publicação do seu primeiro livro de poemas: como vê hoje essa publicação?
Com o meu primeiro livro de poemas eu não quis fazer carreira literária. Doente, o meu maior sofrimento era pensar que ia morrer sem ter feito nada. Ora a única coisa que eu podia fazer era nada. Arranjei um violão, uma «chaise longue», e assim surgiu A Cinza das Horas. Um desabafo, portanto. Um desabafo que, como tal, não transcendeu as minhas dores pessoais. Eu era menino alegre e brincalhão, mas a tuberculose fizera-me triste. Já em Carnaval eu estava melhor, e o meu fundo de «sense of humour» apareceu. Neste livro eu fiz as primeiras tentativas de verso livre em português, que agradaram muito a Guilherme de Almeida e a Mário de Andrade, graças aos quais passei a ser um poeta modernista, a conhecer a poesia de vanguarda da Europa e a transformar-me num poeta «affiché». Penso, porém, que só cristalizei em Libertinagem, e que A Cinza das Horas era um livro bem feito, mas não passava da confidência de um sentimental.

Nesse livro acusava grande influência de poetas portugueses.
Sim, principalmente de Camões e de António Nobre. Desde os meus 13, 14 anos que eu sabia de cor os principais episódios de Os Lusíadas. De António Nobre aproximou-me sobretudo a doença, que me levou a um sanatório suíço de Clavadel, que ficava muito perto do chalé onde ele passou algum tempo, para, como eu, se curar.

(…)

Este homem que luta contra a morte desde os 18 anos, agora, que caminha para os 80, ainda conserva dentro de si «o menino alegre e brincalhão». Ao longo deste encontro saiu-se com diversos apartes, que não posso transcrever aqui, e soltou frequentes gargalhadas, em que mostrava todo o seu vigoroso, cerrado e harmónico aparelho dentário. De tal modo que, quando saí, já não cantava dentro de mim a inscrição da lápide drummoniana, mas antes os versos, tão cheios de humor quanto de simplicidade, em que Bandeira se auto-retratou:

Provinciano que nunca soube
Escolher bem uma gravata;
Pernambucano a quem repugna
A faca do pernambucano;
Poeta ruim que na arte da prosa
Envelheceu na infância da arte,
E até mesmo escrevendo crónicas
Ficou cronista de província;
Arquitecto falhado, músico
Falhado (engoliu um dia
Um piano, mas o teclado
Ficou de fora); sem família,
Religião ou filosofia;
Mal tendo a inquietação de espírito
Que vem do sobrenatural,
E em matéria de profissão
Um tísico profissional.

(1965)

(excerto de entrevista, in Encontros Des Encontros, livraria paisagem, 1973)

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