UM OBSERVADOR DE ACASOS
Um seixo no chão. Outro. Um grupo, uma colónia deles...
Parecem ter deixado entrar uma casca de árvore na sua companhia. Mas será que deixaram? Ou foi a casca que se fez convidada?
Talvez possamos ter o privilégio de assistir a mais um exemplo de acaso...
Uma cabeça de formiga separada do corpo. Será um troféu, ou é apenas mais uma possibilidade que encontramos em colecções cujo único critério é não estarem os objectos que as constituem ainda mais separados?
É uma questão de espaçamento. Quão distantes podem as coisas estar umas das outras e, ainda assim, considerarem-se um grupo.
Uma questão de tempo. A coincidência que permite que os seixos e a tal casca se sobreponham a uma cabeça de formiga.
Já para não falar daquele que, ao observar esta cena, também passa a pertencer ao grupo.
É um intruso? Ou é simplesmente aceite numa democracia inconsciente de acasos?
Talvez seja mais simples dizer que a maior parte das vezes passa despercebido como qualquer outro acaso.
(de O Espelho Atormentado, tradução de Guilherme Mendonça, OVNI, 2008)
Ainda assim, se tivesse um desses seixos para poder observar o acaso mais de perto, deslocá-lo-ia do seu contexto e transformá-lo-ia num monumento do acaso...
Conclusão: O acaso é meramente teórico. Pois se dele nos apercebermos, imediatamente se desloca para o centro da nossa atenção, fazendo com que tudo o mais participe do acaso, incluindo o observador de acasos...
(de O Espelho Atormentado, tradução de Guilherme Mendonça, OVNI, 2008)
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