1.6.10

NUNO DEMPSTER


DA IMPOSSIBILIDADE


A luz do sol está além do ocaso.
Não me refiro a um deus,
nem sequer ao delírio
da palavra perpétuo,
adjectivo da morte,
da qual também não trato
nem faço nenhum voto, indiferente
de indiferença altiva.
Igualmente não falo do passado,
pelo menos daquele que não cessa
de circular imagens como sombras
que não chamam por nós.
Quando digo que a luz do sol
está além do ocaso é porque
não pode tocar-se essa luz,
ninguém pode ir por ela para além dela:
do mesmo modo, a tua face não se dá,
os olhos já estranhos, sem o brilho
que liga o corpo ao corpo
quando o corpo parece ultrapassar-se,
o que, só para meu consolo,
digo ser um processo bioquímico
daquilo a que é costume chamar-se alma,
madre de sentimentos comburentes
e, quem sabe, de enganos da memória.


(de Confluências, in Dispersão, edições Sempre-em-Pé, 2008)

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