1.6.11

ANA LUÍSA AMARAL


UTOPIAS RESPIRÁVEIS


Uma respiração até ao fundo:
oxigenada a memória

Tudo é possível a partir de então,
aí se cuidam: imaginação,
sorumbático livro de pensar
(inspirar fundamente e livres
as amarras do dever)

Vagabundam-se as horas, momentos
de saber tornam-se espaços que
não sendo espaços, são-no de pressentir
em nova geometria:

Linhas desalinhadas, novas linhas
conjugadas num jeito tão desfeito
que chega a ser perfeito esse quadrado

sem cruz, que na cabala dos mortais
é o sinal fechado da ausência de luz

Então se vêem girassóis nocturnos,
então se vêem diurnas cavernas
com teseus aos milhares despedaçados.

E sábios minotauros inspirados
por fios opacos mas fosforescentes
saem à praça do saber das gentes
sem livros, sem riquezas, sem sapatos.


(de Minha Senhora de Quê, 1990)

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