23.5.12

OCTAVIO PAZ


QUATRO CHOUPOS

Como atrás de si mesma, vai esta linha
pelos horizontes confins se perseguindo,
e, no poente sempre fugitivo
em que se busca, se dissipa

- como esta mesma linha,
pelo olhar levantada,
forma todas as letras
numa coluna diáfana
resolvida em não tocada,
nem ouvida, nem degustada, mas pensada,
flor de vogais e consoantes

- como esta linha que não pára de se escrever,
e, antes de se consumar, reganha corpo,
sem cessar de fluir, mas p'ra cima:

os quatro choupos.
                           Aspirados
pela altura vazia, e, ali em baixo,
num charco feito céu, reduplicados,
os quatro são um só choupo,
e são choupo algum.

                          Atrás, copas em chamas
que se apagam - a tarde, à deriva -
outros choupos, feitos andrajos espectrais,
interminavelmente ondulam,
intermináveis, de imóveis.

O amarelo desliza para o rosa,
no violeta, a noite se insinua.

Entre o céu e a água,
há franjas azuis e verdes:
sol e plantas aquáticas,
caligrafia flamejante,
escrita pelo vento.
É um reflexo, noutro suspenso.

Trânsitos: pestanejar do instante. 
O mundo perde corpo, 
é uma aparição, é quatro choupos, 
quatro moradas melodias.

Frágeis ramos trepam pelos troncos.
São um pouco de luz, e outro tanto de vento.
Vaivém imóvel. Com os olhos,
oiço-os murmurar palavras de ar.

O silêncio segue com o ribeiro, 
com o céu regressa.

É real o que vejo: 
quatro choupos sem peso, 
plantados em vertigem. 
Uma fixidez que se precipita 
para baixo, para cima, 
para a água do céu do remanso, 
num esbelto afã sem desenlace, 
enquanto o mundo zarpa no obscuro.

Pulsar de claridades últimas:
quinze minutos confinados,
que Cláudio Monet viu de uma barca.

Na água, abisma-se o céu, 
em si mesma se afunda a água, 
o choupo é um tiro opalino: 
não é sólido, este mundo.

Entre ser e não ser, a erva titubeia,
aligeiram-se elementos,
os contornos se esfumam,
lampejos, reflexos, reverberações,
cintilar de formas e presenças,
névoa de imagens, eclipses,
isto, que vemos: as miragens que somos.


(de Árvore Adentro, tradução de Luís Alves da Costa, Vega, 1994)

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