14.6.13

EDUARDO GUERRA CARNEIRO



III

Eles buscam novelos no meio da lixeira.
No negrume do poço rasgam véus
e a poeira brilha, feita mica.
Do granito regressas, mãos vazias,
pois disseram-te que o poço já secou.
Vermelhos os novelos marcaram a sombra
onde nasciam outras borboletas.
Era a luz que buscavas, viajante,
vindo das trevas desse Inferno teu.
Os cães ladram-te à noite nas ruelas
e a encruzilhada tem pronto o feitiço.
Volta, pois, ao lixo, a essa lixeira,
monturo de sentimentos esquecidos:
as estrelas ainda brilham lá ao fundo.

Tropeças num cordel, envolves-te
no pântano. Cordões de nervos teus
assim quiseram: criar o imaginário.
Voa sobre o terreno podre que criaste
e marca um areal e claras ondas.
Os sonhos que tu julgas realidade
não passam de mentira. Tropeças
quando queres e és andorinha
riscando o céu urbano e os beirais.
Vem-me aqui às mãos, tão franciscanas!,
e enreda-te noutros sonhos.
Dou-te as possíveis asas para o voo
quando as últimas amarras desse medo
cortares como um cordão umbilical.

 

(de Lixo, &etc, 1993)

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