27.11.13

JOÃO MIGUEL FERNANDES JORGE


Nós inventamos as formas que nos dão alegria. Claro que estar alegre é cada vez mais e cada vez menos o instante. O instante entre o longo tempo em que não estamos de nenhum modo e o tempo do sofrimento que, sendo pouco, é tempo, tão longo. Nós escolhemos as formas da alegria, talvez seja a única coisa que, de verdade, escolhemos no mundo; uma escolha quase sempre sem grande sentido, sem grande valor e sem alguma imaginação; para além de toda a imaginação, sentido e valor, pois trata-se do acto único que mais soubemos e sabemos construir.
A alegria é um estado de coisas bem simples, do tamanho de um bilhete de autocarro que é pequeno e tem números, pouca espessura e, às vezes, um pequeno anúncio nas costas. A alegria tomo-a como uma escolha absoluta, um instante em que compreendo como as coisas são em si mesmas, como as integro na minha vida e como me deixo ser viajado por elas; pelas coisas, pela alegria das coisas.
Há itinerários de alegria, desenhos que traço e que permanecem como uma linha única na minha, na nossa memória. Alegria: coisa distinta, obrigatória, encadeada no corpo de sangue e nervos que não podemos nem queremos deixar de ser.


(excerto de «Mendes», in Uma paixão inocente, Livros Cotovia, 1989)

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