4.4.14

JORGE FALLORCA

O isolamento — eu prefiro chamar-lhe e assumi-lo como ausência — a que me fui dedicando, libertou-me dos riscos e confusões da arregimentação geracional movida pelos expeditos mangas-de-alpaca da literatura.
Sem me perguntarem se estava interessado ou se autorizava — claro que a minha vaidade de adolescente provinciano não só estava interessada e autorizava, como se sentiria irremediavelmente magoada se não constasse — incluíram nas antologias Poesia 70 e 71 textos meus surripiados nos suplementos juvenis ou literários, pródigos à época. Eventualmente estimulado pelo pacato sucesso da iniciativa, um outro mercenário editorial viria a adoptar o mesmo critério, considerando-me sobejamente ressarcido com o relutante envio de um exemplar de uma coisa inexplicavelmente chamada Continente/1, que também agradeci silenciosamente e terei igualmente folheado até lhe gastar as páginas onde me contemplava.
Vencida a curiosidade inicial — de assistir e, ocasionalmente, perturbar —, pautei as quase três décadas que vivi em Lisboa por um comportamento arisco às plateias promocionais, se não com indiscutível mestria, pelo menos com inegáveis resultados.
E se não faltou quem se preocupasse em manter-me ao corrente do repúdio (empolando a assiduidade e a dimensão) que a simples alusão do meu nome provocava, também não faltou quem pretendesse solidarizar-se para se regozijar a avaliar o que só podia conceber como uma espécie de extensão dos estragos, incorporando-me — agora ele, e em que outro poderia ser? — no bando ressabiado e cínico dos chamados marginais...
Tive sorte: o álcool e a loucura encarregaram-se de me pôr a salvo de uns e de outros. Quando me recuperei e consegui trocar Lisboa pelas Casas do Monte Alto, verifiquei que a natural e incontível emergência de outras gerações já se encarregara de cagar — literal e literariamente — naquela a que apenas pertenço pela força temporal das circunstâncias, concedendo-me a liberdade de esquecer o incómodo da proximidade.

«Toda a história universal não me parece ser nada mais do que um livro ilustrado que reflecte o mais intenso e cego anseio dos Homens: o anseio do esquecimento. Pois não extingue cada geração, através da proibição, do abafamento, do escárnio, sempre precisamente aquilo que parecia mais importante à geração anterior?» — Hermann Hesse, Viagem ao País da Manhã


(in a cicatriz do ar, edição do autor, 2009 – na foto: Livraria Trama)

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