JORGE FALLORCA
O isolamento — eu prefiro chamar-lhe e assumi-lo como
ausência — a que me fui dedicando, libertou-me dos riscos e confusões da
arregimentação geracional movida pelos expeditos mangas-de-alpaca da
literatura.
Sem me perguntarem se estava interessado ou se autorizava —
claro que a minha vaidade de adolescente provinciano não só estava interessada
e autorizava, como se sentiria irremediavelmente magoada se não constasse —
incluíram nas antologias Poesia 70 e 71 textos meus surripiados nos suplementos
juvenis ou literários, pródigos à época. Eventualmente estimulado pelo pacato sucesso
da iniciativa, um outro mercenário editorial viria a adoptar o mesmo critério,
considerando-me sobejamente ressarcido com o relutante envio de um exemplar de
uma coisa inexplicavelmente chamada Continente/1, que também agradeci
silenciosamente e terei igualmente folheado até lhe gastar as páginas onde me
contemplava.
Vencida a curiosidade inicial — de assistir e,
ocasionalmente, perturbar —, pautei as quase três décadas que vivi em Lisboa
por um comportamento arisco às plateias promocionais, se não com indiscutível
mestria, pelo menos com inegáveis resultados.
E se não faltou quem se preocupasse em manter-me ao corrente
do repúdio (empolando a assiduidade e a dimensão) que a simples alusão do meu
nome provocava, também não faltou quem pretendesse solidarizar-se para se
regozijar a avaliar o que só podia conceber como uma espécie de extensão dos
estragos, incorporando-me — agora ele, e em que outro poderia ser? — no bando
ressabiado e cínico dos chamados marginais...
Tive sorte: o álcool e a loucura encarregaram-se de me pôr a
salvo de uns e de outros. Quando me recuperei e consegui trocar Lisboa pelas
Casas do Monte Alto, verifiquei que a natural e incontível emergência de outras
gerações já se encarregara de cagar — literal e literariamente — naquela a que
apenas pertenço pela força temporal das circunstâncias, concedendo-me a
liberdade de esquecer o incómodo da proximidade.
«Toda a história universal não me parece ser nada mais do
que um livro ilustrado que reflecte o mais intenso e cego anseio dos Homens: o
anseio do esquecimento. Pois não extingue cada geração, através da proibição,
do abafamento, do escárnio, sempre precisamente aquilo que parecia mais
importante à geração anterior?» — Hermann Hesse, Viagem ao País da Manhã
(in a cicatriz do ar, edição do autor, 2009 – na foto:
Livraria Trama)
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