ADOLFO CASAIS MONTEIRO
O poder de alusão da poesia — que a tal se resume tudo quanto a tradição da análise literária clássica especificou sob os nomes dos vários tropos (metáfora, perífrase, etc., etc.) — não coube nunca nessas prisões douradas que a crítica lhe foi tecendo pelos séculos fora. O poeta diz muito em poucas palavras... e a análise literária diz de menos em palavras demais. Ai de nós, tentar compreender é uma doença incurável. Pois continuemos tentando.
A poesia é esquiva. A multiplicidade de aparências em que se envolve (ou seria melhor dizer: em que a envolvemos?) permite todas as confusões, e supor-se-lhe dificuldades ou facilidades que não tem, e nas quais se vão enredando inapelavelmente todos quantos são dominados pelo desejo de ser poetas, sem que nada os disponha realmente para tal. A todos ela parece oferecer uma esperança, mas... são sempre poucos os escolhidos.
A poesia moderna «permitiu» a ilusão de ser a poesia fácil. Foi mesmo este um dos argumentos mais reproduzidos por todos quantos procuravam «razões» contra ela. É, aliás, um argumento sob o qual se revela profundo pessimismo acerca da inteligência humana: pois entenderão tais objectores que seja realmente difícil aprender a «fazer» um soneto ou uma ode? Se tal fosse difícil, como havíamos de classificar as coisas realmente... difíceis?!
Na realidade, afirmar a facilidade em fazer versos «sem medida» nem rima será o mesmo que fazê-lo... em relação à prosa! De onde se conclui que tal argumento significa antes de mais nada o seguinte: ignorância de qual seja a dificuldade tanto de fazer verso como prosa. Valery Larbaud escreveu, falando do verso livre, que ele «estabelece limites e restrições (contraintes) mais subtis e mais difíceis de manter» do que o verso chamado «regular». Mas, precisamente, não é isto coisa de aparência, que salte aos olhos dos profanos — e, entre estes, há que contar todos aqueles que se dispuseram a fazer versos «sem medida», porque agora era fácil fazer poesia...
Mas não nos iludamos! Como realmente também não era difícil fazer versos «regulares», a situação não se modificou; somente que, antes de deitar versos no papel, os não poetas de antigamente iam aprender nos tratados de versificação aquilo que lá está — ao alcance de qualquer pessoa com algumas letras. A poesia era, e não deixou de ser, difícil. A dificuldade nunca estivera na técnica de fazer versos, e continuou a não estar na suposta falta de técnica do fazer versos livres.
(excerto inicial do ensaio «Dizer não dizendo», in A Palavra Essencial, editorial Verbo, 1972)
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