M. S. LOURENÇO
VI
I
Sem trocar a nuvem por Juno,
Do Gades ao Ganges poucos distinguem um ovo dum espeto.
O espírito conduz a vontade e o medo?
Não lamentamos entrar com o pé direito?
A ruína vem do que pedimos aos deuses.
Afogamo-nos no dilúvio da propaganda,
Chocamos com a elevação do músculo militar.
Poupar arruina. Nero cercou Longinus e Séneca;
Uma coorte assaltou o palácio de Laterano;
Raro os soldados entram num cenáculo.
Com duas moedas de prata, à noite, receias o ladrão,
Tremes com a sombra da folha ao luar.
O pobre ri-lhe na cara.
Sem trocar a nuvem por Juno,
Do Gades ao Ganges poucos distinguem um ovo dum espeto.
O espírito conduz a vontade e o medo?
Não lamentamos entrar com o pé direito?
A ruína vem do que pedimos aos deuses.
Afogamo-nos no dilúvio da propaganda,
Chocamos com a elevação do músculo militar.
Poupar arruina. Nero cercou Longinus e Séneca;
Uma coorte assaltou o palácio de Laterano;
Raro os soldados entram num cenáculo.
Com duas moedas de prata, à noite, receias o ladrão,
Tremes com a sombra da folha ao luar.
O pobre ri-lhe na cara.
II
Nos templos pede-se acções maiores no Fórum,
Que o juro cresça depressa.
Não bebes aconite numa taça de barro,
Odeia-la quando tens porcelana,
Quando as bolhas ardem no ouro.
Não louvarias, pois, os dois sábios,
O que ria e o que chorava ao sair de casa?
Pode-se condenar a rir mas tanta água surpreende.
Demócrito sacudia os pulmões com riso,
Mas nunca viu os fasces, os tribunais, togas de púrpura.
Se visse o Pretor no seu carro,
No pó do circo, túnica de palma,
Toga de ouro aos ombros, com uma coroa insuportável!
Debaixo dela sua um escravo,
Para contento do Cônsul senhor e escravo no mesmo carro.
Há ainda a águia, no ceptro de marfim,
Aqui os corneteiros, ali os clientes, numa toga de neve,
Amigos comprados no jantar da véspera.
O filósofo riu-se da multidão,
Até das suas lágrimas,
Quanto a si fazia um manguito à fortuna.
Que o juro cresça depressa.
Não bebes aconite numa taça de barro,
Odeia-la quando tens porcelana,
Quando as bolhas ardem no ouro.
Não louvarias, pois, os dois sábios,
O que ria e o que chorava ao sair de casa?
Pode-se condenar a rir mas tanta água surpreende.
Demócrito sacudia os pulmões com riso,
Mas nunca viu os fasces, os tribunais, togas de púrpura.
Se visse o Pretor no seu carro,
No pó do circo, túnica de palma,
Toga de ouro aos ombros, com uma coroa insuportável!
Debaixo dela sua um escravo,
Para contento do Cônsul senhor e escravo no mesmo carro.
Há ainda a águia, no ceptro de marfim,
Aqui os corneteiros, ali os clientes, numa toga de neve,
Amigos comprados no jantar da véspera.
O filósofo riu-se da multidão,
Até das suas lágrimas,
Quanto a si fazia um manguito à fortuna.
III
Untamos as coxas dos deuses com cera
E em troca recebemos palha.
O poder e a cobiça destroem.
As honras afogam: as estátuas são apeadas.
Sejano, querido do povo, arde na fogueira.
Com a sua face modela-se uma caçarola.
Louro sobre as portas!
Um touro para o Capitólio!
Alegres, todos arrastam Sejano.
«Que lábios que ele tinha! Que figura!»
«Podes crer que nunca gostei dele»
«Condenado porquê? Sem culpa formada?»
«Nada disso, uma carta palavrosa de Capri»
«Já estou a ver».
E em troca recebemos palha.
O poder e a cobiça destroem.
As honras afogam: as estátuas são apeadas.
Sejano, querido do povo, arde na fogueira.
Com a sua face modela-se uma caçarola.
Louro sobre as portas!
Um touro para o Capitólio!
Alegres, todos arrastam Sejano.
«Que lábios que ele tinha! Que figura!»
«Podes crer que nunca gostei dele»
«Condenado porquê? Sem culpa formada?»
«Nada disso, uma carta palavrosa de Capri»
«Já estou a ver».
IV
O povo segue a fortuna, odeia os condenados.
Os mesmos chamar-lhe-iam Augusto,
Se Nortia lhe tivesse sorrido.
Como não podemos votar
O horizonte é mariscos e cama.
Os mesmos chamar-lhe-iam Augusto,
Se Nortia lhe tivesse sorrido.
Como não podemos votar
O horizonte é mariscos e cama.
(de Arte Combinatória, Moraes Editores, 1971)
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