NELLY SACHS
Nasceu em Berlim, em 1891.
Começou a publicar em 1921 e recebeu o Prémio Nobel da Literatura em 1966.
Morreu em 1970.
MÃOS
Dos jardineiros da Morte,
Que da macela do berço,
Que medra nas várzeas duras
Ou na encosta,
Fizeste nascer morte, o monstro de estufa do vosso ofício.
Mãos,
Que arrombais o tabernáculo do corpo,
Filando como dentes de tigre os sinais dos mistérios -
Mãos,
Que fizestes vós,
Quando éreis as mãos de crianças pequenas?
Pegastes numa gaita de beiços, nas crinas
Dum cavalo de baloiço, agarrastes a saia da mãe no escuro,
Apontastes pra uma palavra na cartilha -
Era talvez Deus, ou Homem?
Ó mãos degoladoras,
Morreu a vossa mãe,
A vossa mulher, o vosso filho?
Pra manterdes assim só a morte nas mãos,
Nas mãos degoladoras?
(de Nas Moradas da Morte / In den Wohnungen des Todes, Berlim, 1946)
MÃE DE LUTO
DEPOIS DO DESERTO do dia,
no deserto do entardecer,
sobre a ponte q o amor
com lágrimas construiu sobre dois mundos,
veio o teu menino morto.
Todos os teus caídos castelos no ar
os cacos dos teus palácios devorados pelas chamas,
cânticos e bênçãos
desmoronados no teu luto,
cintilam à volta dele como um castelo
que a morte não conquistou.
A sua boca orvalhada de leite,
a sua mão que se adiantou à tua,
a sua sombra na parede do quarto
uma asa da noite,
com a lâmpada extinta regressando a casa -
na praia para Deus
espalhado como cibo pra pássaros num mar
o som do eco da prece de criança
e o beijo caído por sobre o debrum do sono -
Ó mãe de lembrança,
nada mais é teu
e tudo -
pois as estrelas cadentes buscam
através dos campos de papoilas do esquecimento
no seu caminho de regresso o teu coração,
pois todo o teu conceber
é dor desamparada.
(de Escurecer as Estrelas / Sternverdunkelung, Amsterdão, 1949)
MAS DE NOITE,
quando os sonhos c'uma lufada de ar
levam paredes e tectos de quartos,
começa a peregrinação pra os mortos.
Sob o pó de estrelas os procuras -
A tua saudade vai construindo a irmã -
dos elementos que a mantêm escondida
traze-la cá pra dentro
até que ela respira no teu leito -
mas o irmão vai dobrar a esquina
e o esposo regressou já muito alto
então a humildade faz-te emudecer -
Mas depois - quem interrompeu a viagem -
começa o regresso -
Como os queixumes das criancinhas
assustadas co'a Terra
estás tu -
a morte dos mortos abateu-se
c'o tecto do quarto -
protectora jaz a minha cabeça sobre o teu coração
o amor - entre ti e a morte -
Assim chega o crepúsculo
espalhado co'a semente rubra do Sol
e a noite desfez-se em lágrimas
dia dentro -
(de Terra de Israel / Das Leiden Israels, Francoforte do Meno, 1964)
Escuro ciciar do vento
na seara
A vítima pronta ao sofrimento
As raízes estão caladas
mas as espigas
sabem muitas línguas maternas -
E o sal no mar
chora na distância
A pedra é uma existência de fogo
e os elementos puxam pelas cadias
pra a união
quando a escrita espectral das nuvens
recolhe imagens primevas
Mistério na fronteira da morte
«Põe o dedo nos lábios:
Silêncio Silêncio Silêncio» -
(de Enigmas em Brasa / Gluhende Ratsel, incluído em Spate Gedichte, Francoforte do Meno, 1965)
(poemas incluídos em Poemas de Nelly Sachs, antologia, versão portuguesa e introdução de Paulo Quintela, Portugália, 1966)
POEMS FROM THE PORTUGUESE
Há 1 hora
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