31.3.04

OCTAVIO PAZ

APARIÇÃO


Voam aves radiantes destas letras. Amanhece a desconhecida em pleno dia, sol rival do sol, e irrompe entre os brancos e negros do poema. Pia na espessura do meu assombro. Pousa no meu peito com a mesma suavidade inexorável da luz que reclina a fronte sobre uma pedra abandonada. Estende as asas e canta. A boca é um pombal de que lhe brotam palavras sem sentido, fonte deslumbrada pelo seu próprio brotar, brancuras atónitas de ser. Logo desaparece.
Inocência entrevista, que cantas na encosta do poente à hora em que eu sou um rio que desaparece no obscuro: que frutos picas aí em cima? Em que ramos de que árvore cantas os cantos da altura?


DAMA HUASTECA

Ronda pelas margens, nua, saudável, recém saída do banho, recém nascida da noite. No seu peito ardem jóias arrancadas ao verão. Cobre-lhe o sexo a erva murcha, a erva azul, quase negra, que cresce nos bordos do vulcão. No seu ventre uma águia estende as asas, duas bandeiras inimigas enlaçam-se, repousa a água. Vem de longe, do país húmido. Poucos a viram. Direi o seu segredo: de dia, é uma pedra ao lado do caminho; de noite, um rio que flui às costas do homem.

(de águia ou sol?, Hiena editora, 1985 - tradução de Rui Rosado)

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