26.3.04

[SONETOS À SEXTA-FEIRA]

TOMÁS ANTÓNIO GONZAGA


Marília, chega, que Dirceu t'espera
Sobre as cândidas asas da alegria:
Chega, querido bem, trazes o dia,
Em que a inveja ferina s'exaspera.

Apenas no horizonte amanhecera,
E Febo os louros raios repartia;
Já dentro desta aldeia se sabia,
Que a causa deste bem Marília era.

Tu já vês como salta o cordeirinho
Alegre atrás da mão no vede prado:
Ouves cantar o alado passarinho:

Pisas a inveja rindo-te do fado:
É mais puro que o leite o teu carinho,
É mais doce que o mel teu terno agrado.


FILINTO ELÍSIO

Estende o manto, estende, ó noite escura,
Enluta de horror feio o alegre prado;
Molda-o bem c'o pesar dum desgraçado
A quem nem feições lembram da ventura.

Nubla as estrelas, céu, que esta amargura
em que se agora ceva o meu cuidado,
gostará de ver tudo assim trajado
da nega cor da minha desventura.

Ronquem roucos trovões, rasguem-se os ares,
rebente o mar em vão n'ocos rochedos,
solte-se o céu em grossas lanças de água.

Consolar-me só podem já pesares;
quero nutrir-me de arriscados medos,
quero sacia de mágoa a minha mágoa!


BOCAGE

Olha, Marília, as flautas dos pastores,
Que bem que soam, como estão cadentes!
Olha o Tejo a sorrir-se! olha: não sentes
Os Zéfiros brincar por entre as flores?

Vê como ali, beijando-se, os Amores
Incitam nossos ósculos ardentes!
Ei-las de planta em planta as inocentes,
As vagas borboletas de mil cores!

Naquele arbusto o rouxinol suspira;
Ora nas folhas a abelhinha pára.
Ora nos ares, sussurrando gira.

Que alegre campo! Que manhã tão clara!
Mas ah!, tudo o que vês, se eu não te vira,
Mais tristeza que a noite me causara.


ALMEIDA GARRETT

PORFIA DE AMOR


Demtorno à arvorinha que murchara
Se afadiga o cultor esperançoso;
Envisca as varas caçador teimoso,
Armando ao passarinho que escapara;

Porfiado rompe com destra avara
As entranhas da terra o cobiçoso;
Sua co'a bomba o nauta pressuroso
Por estancar a nau que lhe arrombara.

Mas larga cada qual desesperado,
Quebra furioso o inútil instrumento
Se o contínuo trabalho vê baldado.

Só eu, com desenganos cento e cento,
Só eu, por Délia sempre desprezado,
Teimo cada vez mais no meu tormento

Angra - 1814

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