[Fernando Pessoa visto do exterior - II]
JOHN WAIN
Ele, o Sr. Pessoa, acolhia bem a vida. Vamos escrever com letra grande:
amava e era sensível à Vida, e se ela assumia um semblante
ele ficava contente por saudá-la e tinha o quarto limpo expressamente
para acolher a deusa - mas não tentava prendê-la ou demorá-la.
Há homens que se portam como se a vida fosse uma jovem apetecida:
armam ciladas, fazem negaças, exibem-se se sabem que ela os vê.
O Sr. Pessoa por seu lado lidava com a vida mais como vizinho:
ela nunca andava longe e ele tinha a certeza de a encontrar às vezes.
Costumavam falar na rua, cavaqueio sem outras intenções,
às vezes ela passava lá por casa e então durava mais o convívio,
ela era visita, ele anfitrião, e o diálogo parecia mais estruturado
depois, já de saída, mais um sorriso, cinco minutos de conversa à espera do carro.
O grande desejo do Sr. Pessoa era só que a Vida o aceitasse
como presença sem pretensões, amante que não ousava possuí-la:
ficar ali, quieto, confiante, até ao dia de irem buscar o seu caixão.
(de Reflexões sobre o Sr. Pessoa / Thinking about Mr Person, tradução de João Almeida Flor, edições Cotovia, 1993 - 1ª edição: Fenda edições, 1981)
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