14.5.06

JOSÉ TERRA

As palavras ferem-se no vento,
retraem-se no íntimo da concha.

As palavras, em hélice, padecem
a tortura do indeciso tempo.

Saltam da alma como peixes. Ficam
asfixiantes na aridez da praia.

As palavras batem contra o espelho
e evitam o rosto reflectido.

A etimologia emigra no silêncio.
As palavras resignam. É o reino

da esfinge, frio, imperturbável.
As palavras espantam-se no vento

do claro sol, da limpidez da água.
Os archeiros d'El-Rei pisam a noite

e exigem-lhe à entrada o passaporte.
O frio gládio alveja o peito

e as puríssimas vestes poisam, lentas.
Revistam-lhes as tranças e o sorriso

e, mesmo assim, a sentinela embarga
o limiar da linha alfandegária.

As palavras vestem o cilício
da conturbada hora em que nasceram

palpitantes, vívidas, certeiras.
As palavras à esquina do silêncio,

rastejam ao luar, sob a fronteira.

(de Canto Submerso, Portugália editora, 1956)

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