5.8.07

JORGE VELHOTE

A vertigem das rosas e da luz


ao Egito Gonçalves


Agora o mar é uma grade na clausura do coração, uma planície
minuciosa, uma essência atando os vidros contra o frio,
uma caligrafia gratificando os odores da chuva e da pele, que escorrem no olhar.

Agora as aves descarnam os últimos rostos na barreira do silêncio,
sobre a ilha infindável da memória chega a doçura lenta das tuas mãos,
a vertigem das rosas e da luz, as palavras na sombra mais luminosa dos regatos
fosforescentes de relâmpagos e serpente.

O dia é uma ferida nua, numa labareda de conchas, é pura a carne das pedras,
às vezes o canto dos rouxinóis pára de súbito, nós calámo-nos mais cegos, junto à
quietude da água e da noite, dos muros e do musgo, na melodiosa melancolia da
memória e da ironia.

Que fazer diante do imenso abismo senão amar.

(in Saudade - revista de poesia, n.º 1 / Dezembro de 2001)

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