23.1.09

ALEXANDRE ANDRADE

Se alguém cometesse o erro flagrante de questionar Benoni sobre a natureza da consciência, olharia para um rosto em branco, de olhos perdidos, e não escutaria qualquer som. Se não se sentisse desencorajado pela vacuidade do olhar, pela palidez excessiva da pele, pela desconsoladora e insípida desordem das feições, poderia ser tentado a repetir a pergunta. Por exemplo: «Benoni, o que é para ti a consciência?» E desta vez obteria resposta. Oh sim, porque Benoni nunca negava resposta duas vezes à mesma pergunta. Em parte por causa de experiências pouco agradáveis guardadas na sua memória, em parte fruto da lógica binária que ele chegou a privilegiar. Não seria Benoni que deixaria uma pergunta duas vezes por responder, nunca Benoni. Simplesmente, seria difícil que a sua resposta pudesse ser satisfatória, mesmo para a mais aberta das mentalidades. Ainda que lhe fosse possível verbalizar, hipótese improvável, nunca as suas palavras formariam sentido. E mesmo que as suas palavras formassem sentido, hipótese improbabilíssima, nunca poderiam ser consideradas como resposta adequada a uma pergunta tão precisa. E mesmo que as suas palavras pudessem ser consideradas como resposta adequada, hipótese que ameaça os limites do absurdo, nunca exprimiriam aquilo que Benoni, de facto, sentia. E tudo isto por uma razão muito simples. Acontecia que a consciência era um dos problemas mais dramáticos que alguma vez lhe tinha sido posto. Sentir-se-ia feliz se o pudesse ignorar por completo. Benoni sentia um certo orgulho no equilíbrio, mais ou menos estável, que conseguira atingir entre o interior e o exterior, entre os ecos sinistros de galerias recônditas e a imensidão fria, brilhante, dispersa. Se se deixava cair na armadilha da consciência, sentia-se capaz de se fechar para sempre sobre si mesmo. «Estou consciente... de mim mesmo, por exemplo? Dos outros?», eis uma interrogação típica. Ignorar a consciência era, para ele, garantir a subsistência dos diversos compromissos que fora estabelecendo ao longo do tempo, compromissos que ele sabia não serem naturais, nem eternos, mas aos quais não ousava renunciar.

(excerto de Benoni, editorial Notícias, 1997)

1 comentário:

moço disse...

Trouxe ess livro da biblioteca. Está aqui na pilha das leituras da próxima semana :)