21.1.09

PAULO CONDESSA

sessão de poesia

n 14101999

Eu sei lá o que é a poesia, dizia o poeta. Fazem-me com cada pergunta. Escrevam aí silêncio. Silêncio. Eu era eu e muitas pessoas ao mesmo tempo. Estava aqui onde estou e vocês aí onde estão. Agora estou a ver se o fígado responde à vossa pergunta. Claro que o silêncio escondeu a vossa pergunta. Mas sei que a fizeram. Não vos escondeu os olhos. Nem essas luzinhas que alguns têm à volta da cabeça. Que pergunta. Eu sei lá o que é a poesia. Ora apalpem o fígado. O fígado tem uma opinião particular da poesia, como devem calcular Há gente que pensa que o fígado é amarelo. Eu pensava. Mas é castanho ou vermelho depende da lanterna. Apalpem o fígado mas ninguém apalpou. É sempre assim na poesia. As pessoas não a levam a sério. Se não a levam a sério para que raio querem saber o que é? Para pôr no telejornal? Não brinquem comigo. Se estivessem aqui crianças a conversa era outra. Uma criança joga logo a mão ao fígado. Experimenta. Sem experimentar não há poesia. Ora calcem lá umas luvas. Ora tirem lá as luvas. Qual é a diferença? O fígado é uma espécie de filtro, com guichets e barreiras que sobem e descem e olhos a espreitar lá de dentro. Um poema que entre no fígado faz maravilhas. Claro nos intestinos. No coração. Mas agora estamos no fígado e além disso os poemas não vão a todo o lado. Ora apalpem o fígado. Se os dedos forem estetoscópios, em vez dos esteticoscópios que abundam, sentem logo as vibrações do poema a rearranjar as ligações da linfa. Não são as letras que entram nos tecidos, é só um tremido, uma insubstância linfática que mexe nas células parecem uma orquestra escangalhada pede sempre ajuda a um menino. Não chorem. Está ao vosso alcance. Ponham coisas de parte. Deixem-se de merdas. Furem o espelho com os olhos de manhã. Uma coisa vos garanto. Sem perguntar ao fígado nunca vão saber a opinião do fígado sobre a poesia. Fazem-me com cada pergunta. São do telejornal? Mas não se importavam de ser, pois não? Aah.

(de bizz dizz, Mariposa Azual, 2000)

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