JUAN RAMÓN JIMENEZ
DIA ENTRE OS AÇORES
9 da manhã.
O Sol, que se acende, lento, em branca luz, ao apurarem-se as nuvens de água, ilumina de prata verde o azul do mar de chumbo carminoso. Gotas doces de chuvisco varrido e gotas amargas de onda assaltadora chegam-nos confundidas aos lábios e aos olhos. Vamos para o Verão, afundados até às orelhas nas peles de Dezembro.
1 da tarde.
MAR SÓLIDO
Está o mar de pedra, e as ondas baralham-se como cartas ou lascas de ardósia. Aqui e acolá, indefinidas malaquites de imponderáveis verdes, profundos e finos mármores negros que desceram, em escadarias magnetizadas, ao mistério. Em súbitas aparências volúveis, sobre a crista das mudáveis e minúsculas cordilheiras de ondas, remoinhos de gesso. Parece que é pó a brisa. A boca e a alma têm sedes.
2 da tarde.
Ao subirmos da sala de jantar, não há mar. Todos, sem o ver, continuam crendo-o ali. Mas não está. Não, não há mar. O sol contagia toda a atmosfera chuviscosa, e tudo é só luz branca, suave, velada. Na unânime claridade, breves sangues derramados por feridas de alvor, leves grinaldas vivas — de quê? — não sei se pela água se pelo céu.
5 da tarde.
ADEUS!
Que distante já a triste cova chorosa, de que acabámos de sair agora mesmo, dos «Açores da chuva permanente»! Saudação alegre da aberta tarde de sol! O mar, prússia outra vez, está como talhado em infinitos planos de escuras cores luminosas, que se complicam em cambiantes inumeráveis, como se cada onda tivera um parto perpétuo de ondinhas. Claridades de nuvens afogueadas deslumbram-no sem repouso, e nas espumas de cada onda desfeita um arco-íris eleva a sua lira de cores. — Assim as Musas celebrando o Génio «mensageiro de luz» de Puvis de Chavannes, femininas ondas brancas de um mar ideal. — O céu é hoje maior que o mundo, e parece que a sua glória desceu ao ocaso, que está aí perto, entre os seus jardins aquáticos. A última ilha, quase de música, suma da ilusão, sai, como uma proa de luz cristalizada, de entre as nuvens baixas, que a abraçam, que a colgam, que a coroam imensamente, na desproporção mágica — pobres de nós! — da sua magnificência apoteótica!
6 da tarde.
A ILHA TRANSFIGURADA
Malva, de ouro e vaga — tal qual um grande barco revirado no mar concentrado e azul-ultramarino —, num ocaso amarelo que ornam mágicas nuvens incolores, gritos complicados de luz, a «Ilha dos Mortos», de Bocklin. Mas os ciprestes estão ardendo esta tarde e os mortos estão ressuscitando. Ouro, fogo, purificação. O mar soa a César Franck.
7 ½ da da tarde.
Transfigurada já e ardida, entre o Sol do ocaso e o seu longo derramamento no mar azul, como uma brasa viva que se apaga rubra, malva e cor-de-cinza — negra em sítios, carvão que permanece — a «Ilha — Adeus, adeus, adeus! — do Juízo Final».
(tradução de Pedro da Silveira, in Mesa de Amigos – versões de poesia, Direcção Regional dos Assuntos Culturais / Secretaria Regional da Educação e Cultura, 1986 – Colecção Gaivota)
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