ANTÓNIO CUNHA RIBEIRO
Nasceu em 1957 em Angra do Heroísmo. No seu primeiro livro, escrito aos 13 anos, Emanuel Félix interpela-o com estas palavras:
«Há gente tranquila. Há gente sossegada. Há gente tranquilamente sossegada. E um rapaz com um búzio pode quebrar a espessura da sua noite ou espantar o medo da sua vigília.Ora acontece que tu, aos treze anos, és o rapaz com um búzio. E o búzio a figuração da poesia. Forma, significado, melodia. A receita do poema.»
Foi jornalista na Reuters e colaborou nos jornais Le Monde, Le Figaro e Daily Telegraph, além de outros órgãos de comunicação nacionais e regionais dos Açores. Foi também funcionário político da OLP (Organização para a Libertação da Palestina).
Além dos aqui referidos, publicou ainda, em 1985, Raiz Renovada, em edição da Câmara Municipal do Montijo. De entre os seus inéditos, encontram-se traduções de poemas de autores árabes contemporâneos.
Morreu em 1994.Além dos aqui referidos, publicou ainda, em 1985, Raiz Renovada, em edição da Câmara Municipal do Montijo. De entre os seus inéditos, encontram-se traduções de poemas de autores árabes contemporâneos.
PREFÁCIO
O poeta consome a dor
da desigualdade
nas palavras
O poeta desperta os outros
da fome calada
O poeta sente pelos outros
por eles vive
e fala
NOITE CERRADA
Ainda é noite
cerrada.
Agitam-se os braços
em vagarosos gestos de saudade
do dia que nunca virá.
Fantasmas espreitam
por entre as árvores
impedindo a nossa evasão.
De longe chegam gritos abafados
pelo rumorejar
da vegetação.
Uma única esperança nos resta,
camarada:
que o fogo nos ilumine
para que não nos percamos
na floresta.
E um desejo:
de que o dia claro
seja em breve
uma realidade.
(de Rapaz com um Búzio, Edição do Autor, 1971 – Colecção Gávea/Glacial)
Ritual
Provavelmente nunca iremos ver-nos, tocar a face um do outro, fecundar os lençóis brancos de uma cama. Mas se puder prefiro encontrar-te à saída cansada da usina, na tasca ou na rua. Aí melhor enfrentaremos o Sol e o Sal.
O sonho é o meu lugar e escrevo para que existas. Pelo caminho da escrita sofro longos orgasmos, e sei que tu também, qualquer que seja o teu rosto e o teu sonho. Qualquer que seja o teu caminho.
Por vezes cansa-me o halo dos mortais. É a distância que nos faz irmãos. Da mesma partida ao retorno, a mesma viagem de que nada fica. No fim foi só a vertigem, e só a vertigem nos acompanha.
Canto animal
Deixem o poema ser homem
e poisar na carne do homem
Deixem o poema ter saliva e ter medo
e sangue e braços que abracem
longamente em cada gesto cada gesto
o gesto do animal cio
até à exaustão que branca se derrama
e no branco se tinge de vida
o sal o musgo a fímbria dos corpos
que um no outro se completam
Bilhete para Tawfik az’Zayyad
Todas as celas fechadas
todos os pulsos sangrando urgência
Talvez amanhã
rasgaremos a pedra da noite
Talvez
(de Esta palavra escrita, Signo, 1985 - colecção Palco no Vento)
O SANGUE
Escrevo estes versos de grãos de terra na mão: eis a prova.
Tenho a certeza dos passos. Todos temos. Só no mais diferimos.
Era uma longa subida. Era a certeza
da nossa própria emigração. A mais bela,
a mais funda companhia. A perfeita igualdade do transporte
foi amassada em três quedas. Um braço, outro braço, um corpo
e a longa subida.
E agora: a tua pele
Revejo: é manso o mar.
E sei que o vento corre e que por ele
se colam no teu corpo lembranças de luar.
Descanso: os teus cabelos.
Entrego: já é dia.
Os caules são serenos
e no côncavo das mãos o sol nascia.
(inédito, gentilmente cedido por Luísa Ribeiro, irmã do Autor)
1 comentário:
Esta poesia entra cá dentro da alma da gente. Obrigada pela partilha.
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