MIGUEL MARTINS
De vez em quando, do outro lado da linha,
há um silêncio, um choro emudecido,
uma canção que queremos tua e minha,
e, ao chegar ao fim, há um estampido.
A garganta rebenta, o coração implode,
e, no silêncio triste, fica a esperança
do que parece não poder mas pode
ressuscitar, ser de novo criança.
Todos os dias, todo o dia morro,
há meses, anos, que estou pensando em ti,
rogando o teu regresso em meu socorro,
como naquele dia em que te vi.
***
semente de luz fechada entre teus seios
como uma madrugada sempre à espera
que eu fosse quem queria mas não era
capaz de fazer teus os meus enleios
cujos nós somos nós e quem me dera
fossem outros e como os crês alheios
para que em tua ausência não sangrasse
a cada esquina de alma num assombro
que cada umbral me parece o teu ombro
e um beco sem saída um desenlace
pois o amor descobre no seu escombro
outro modo de dar a mesma face
já que melhor não sou nem me adivinho
posto em sossego podando o teu jardim
a ver se o meio me justifica o fim
eis-me lavrando canções de verde pinho
eis-me morrendo suspenso do teu sim
eis-me aqui suplicando pelo teu linho
nestas linhas cerzidas a saliva
esfriada nas manhãs de mãos vazias
que são as minhas mãos todos os dias
perdidas e achadas à deriva
tacteando-te o ventre em pedras frias
matéria morta em que te sei tão viva
(daqui e daqui, respectivamente)
Ladainha dos póstumos Natais
Há 1 hora
1 comentário:
Obrigado.
MM
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