NUNO DEMPSTER
O COMBOIO
Digamos no final deste sábado que
a novidade foi nada se ter passado,
que tudo cada vez se volve mais eterno,
profundamente chato e sem contornos,
e que não é possível um pássaro de fogo
entrar-me no escritório, vulgo biblioteca.
Sei tão bem as cidades por onde caminhei
que bocejo somente em pensar ir
até ao aeroporto. Todas essas cidades
se resumem à estrada que vai por aqui
não me interessa aonde.
Mesmo a rapariga que achei bela,
a semana passada desfeou-se
e as árvores, porque é Outono,
perderam todo o brilho que tiveram,
e nada disto é digno de citar-se.
Portanto regressemos ao princípio.
Nada sucede, e o meu coração lança
a crédito outro dia que jamais
poderei reaver. E quantos dias
assim hão-de somar-se em anos idos?
Oxalá não me ponha a fazer contas
a esse tempo que vou perdendo
nem escute o comboio em que, miúdo,
pensei fugir de casa para sempre.
(de Osmose; in Dispersão – Poesia Reunida, edições Sempre-Em-Pé, 2008)
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