9.4.10

ÁNGEL CRESPO


A opressão do poema


Quem pode suportar a opressão do poema
quando nos atormenta reclamando
o nosso que nele há, o que em nós mesmos
é seu — e nos derrota?

Porque distinguir é impossível
esse instante que não é dia nem noite,
ou saber o momento em que se esquece
o céu de uma tarde, ou se deixa de amar
— porque todo o limite não sabemos.

Como recuperar o que foi nosso
graças ao acto de entregá-lo? Como
restituir um voo de ave?

Do seu e do nosso se levanta,
após queimar-nos, o fogo do poema
— ele vem, já sem palavras, acusar-nos.


(in A Realidade Inteira - Poemas escolhidos (1949-1990), Selecção e Tradução de José Bento, editorial Teorema, 1995 / original de El ave en su aire, 1985)

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