ANTÓNIO POCINHO
O Polvo é que andava muito deprimido. Então não é que, em Terra, o consideravam um peixe mafioso, em virtude dos seus tentáculos?... Ele que nunca tinha estado minimamente ligado à Mafia. Era uma grande injustiça, uma calúnia pela qual ia pedir uma indemnização em tribunal. O seu advogado, o Pargo Legítimo, pedia ainda uma pena de dois meses de conserva em momo de tomate para todos aqueles que fossem apanhados a cbamar "polvo" a qualquer associação de malfeitores. Quanto a este processo, estou convencido de que o polvo vencerá, porque um polvo unido jamais será vencido.
Ainda por cima, o Polvo é conhecido no mar alto precisamente por ser o oposto do mafioso. Está certo que se serve dos seus tentáculos para almoçar, mas, fora das refeições, cada um daqueles oito braços são o instrumento da gentileza, da bondade e da dedicação ao trabalho. Eles servem sobretudo para cumprimentar, acariciar, dar, distribuir, fazer coisas, para o que não tem mãos a medir. No mar alto, chamar polvo a alguém é um elogio. Ser um polvo significa ser uma jóia de pessoa. Trabalhar que nem um polvo significa trabalhar muito.
Como devem calcular, o Polvo é muito solicitado para todo o tipo de trabalhos manuais, especialmente reparações e mudanças. Com os seus oito braços, ele consegue executar simultaneamente várias tarefas. A última vez que o tive cá em casa, arranjou-me ao mesmo tempo o esquentador e a televisão, enquanto atendia o telemóvel e fumava dois cigarros. Sim, imaginem, dois cigarros. Um deles era um daqueles cigarros medicinais para deixar de fumar.
(ilustração e excerto de texto de Quanto custa criar uma sardinha, edições Fenda, 1999)
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