25.9.10

ANTONIO BENEYTO


6

Existe algo naquele homem. Parece que não deseja ver-me e transforma-se numa mesa. Sabe que escrevo sobre uma coisa plana e quer que o faça sobre ele. E não sabe ou não compreende que escrevo a carta a Genoveva no local onde me encontro: por vezes, em cima de uma flor; ou sobre o ramo de uma árvore, fazendo equilíbrio. Que formosura. Quando o outro homem, o que está vestido de azul, me chamar já serei muito velho. Por onde ou com quem estiver nesse preciso momento. Faz tempo que não rezo e o Natal está aí, nas patas da mesa. Penso que rezar é caminhar pela vida; movendo o corpo e fazendo com que o teu sapato se desgaste de imediato. E também a mesa onde se escreve e que as unhas da alma já não cresçam, e que ninguém, absolutamente ninguém, te recorde. E ver a regra, e a carteira cheia de envelopes, e de papéis, e pisa-papéis, e Pisamorena*, e papéis escritos, e use esta papeleira, e pegadas desconhecidas. Existe tanto silêncio quando se quer rezar, quando se quer fazer o amor à fêmea que brutalmente, desconcertadamente, se abre e se fecha como o camião do lixo. Ela coseu-me com beijos depois de me coser o forro do casaco. Agora descanso.



* Bar em Barcelona onde se dança Flamenco.

(tradução minha - original de Textos para leer dentro de un espejo morado, 1975)

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