31.5.11

[outros melros LXI]

JOSÉ RIÇO DIREITINHO


A nova mestra chegou a Vilarinho dos Loivos duas horas depois de o José de Risso ter avisado o Crispim, o filho daquela que o amamentara. Foram ambos esperá-la perto da Vinha do Ribeiro Mouro. Sentaram-se na terra, encostados à cruz de granito da encruzilhada, com os olhos postos na velha ponte de madeira. O ribeiro, onde no Inverno e no início da Primavera alguns rapazes pescavam trutas à mão, não levava água; apenas duas poças reluziam sob o Sol daquele final de tarde. Eles olhavam de vez em quando para a curva do caminho que rodeava parte da Casa da Eira, no lado oposto à ponte. «De que sítio vem ela», perguntou o Crispim enquanto escolhia no chão uma pedra pontiaguda para a fisga do companheiro. «Não sei, mas vai chegar antes de o Sol ter desaparecido», disse o José de Risso espreitando, por entre as borrachas negras da fisga, um melro pousado nos ramos de um freixo.
A professora apareceu, sentada num burro, no mesmo momento em que o pássaro tombou morto da árvore. O Crispim correu a apanhar o melro, a quem a pedra quase arrancara a cabeça. O José de Risso ficou no chão, encostado à pedra da cruz e a seguir com o olhar o animal manco que trazia finalmente a sua nova mestra. Esperou que a rapariga passasse diante dele para se levantar e lhe falar. «Eu puxo-lhe o burro até Vilarinho, senhora», disse-lhe pegando na arreata com uma mão, ao mesmo tempo que com a outra entalava, entre o cós das calças e a barriga, o pássaro morto já sem cabeça. Ela concordou sorrindo.


(excerto de Breviário das Más Inclinações, 1994)

1 comentário:

manuel a. domingos disse...

um muito bom livro, na minha opinião.