5.10.11

PAUL CELAN


Resposta a um inquérito da Librairie Flinker, Paris (1958)

A poesia alemã segue, julgo eu, caminhos diferentes dos da francesa. Trazendo na memória o que há de mais sombrio, tendo à sua volta o que há de mais problemático, por mais que actualize a tradição em que se insere, ela já não consegue falar a linguagem que alguns ouvidos benevolentes parecem ainda esperar dela. A sua linguagem tornou-se mais sóbria, mais factual, desconfia do "belo", tenta ser verdadeira. É portanto —  se me é permitido procurar a minha expressão no campo do visual, não perdendo de vista a policromia de uma pretensa actualidade — uma linguagem "mais cinzenta", uma linguagem que, entre outras coisas, também quer ver a sua "musicalidade" situada num lugar onde ela já não tenha nada em comum com aquela "harmonia" que, mais ou menos despreocupadamente, se ouviu com o que há de mais terrível, ou ecoou a seu lado.

Apesar de não prescindir de uma plurivalência da expressão, o objectivo dessa linguagem é o do rigor. Não transfigura, não "poetiza": nomeia e postula, procura delimitar o campo do que é dado e do que é possível. É claro que o motor nunca é aqui a própria linguagem, mas sempre e somente um eu que fala a partir do ângulo particular da sua existência, para o qual é importante definir um perfil e uma orientação. A realidade não é, a realidade vai ser procurada e conquistada.
Mas não estou eu já a fugir à vossa pergunta? Estes poetas! Chega-se ao ponto de esperar deles que um dia ponham no papel um romance a sério!


(in Arte Poética - O Meridiano e outros textos, tradução de João Barrento e Vanessa Milheiro, edições Cotovia, 1996 / publicado originalmente no Almanach 1958, da Librairie Française et Étrangère Flinker, Paris, 1958 e depois reproduzido no jornal Die Welt (Hamburgo), de 22 de Novembro de 1970)


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