22.2.12


INGEBORG BACHMANN


SALMO

1.

Calai-vos comigo, como todos os sinos se calam!

Na placenta do medo
a escória procura alimento novo.
Sexta-feira santa, pendurada no firmamento,
uma mão, faltam-lhe dois dedos,
não pode jurar que tudo,
tudo aquilo não aconteceu e que nada
acontecerá. Mergulha no vermelho das nuvens
afasta os novos assassinos
e liberta-se.

De noite nesta terra
alcançar as janelas, afastar os linhos,
desvendando a intimidade dos doentes,
uma úlcera suculenta, intermináveis dores
para todos os gostos.

Os carniceiros sustém, enluvados,
a respiração dos despidos,
no umbral a lua cai ao chão –
Deixa ficar os cacos, a asa ...

Estava tudo a postos para a extrema-unção.
(O sacramento não pode consumar-se.)

2.

Como tudo é vão!
Arrasa uma cidade,
ergue-te do pó dessa cidade,
assume um cargo
e finge,
para evitares expor-te.

Cumpre as tuas promessas
diante de um espelho cego no ar,
diante de uma porta fechada ao vento.

Virgens são os caminhos nas escarpas do céu.

3.

Oh olhos, queimados na terra, silo do sol,
carregados com o peso da chuva de todos os olhos,
e agora enredados, tecidos
pelas trágicas aranhas
do presente...

4.

Coloca uma palavra
no vale da minha mudez
e planta florestas de ambos os lados,
para que a minha boca
fique toda à sombra.


(de O Tempo Aprazado, tradução de Judite Berkemeier e João Barrento, Assírio & Alvim, 1992 – Gato Maltês)

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