22.6.13

CARLOS POÇAS FALCÃO


COMPOSIÇÃO MEDITATIVA II

Não sou um indignado. Sei que o mundo passa
bem sem mim — o que é justo e me assinala a grande liberdade.
Procuro manter a dignidade, estou a envelhecer e no entanto
pronto a começar. Afinal está provado o sem sabor de tudo
— a não ser daquilo que começa, do que é inicial,
ou seja, desde sempre. Aí regresso a horas repentinas,
muitas vezes entre um desencontro e o café.
Isso é terrível e procuro manter a dignidade.
Foi numa dessas horas que descobri que Deus
não passa bem sem mim — o que não me indigna
e também não me alivia da grande liberdade. Afinal
ser homem para Deus é o sabor inicial.



 

(in "Telhados de Vidro", n.º 18 | Maio 2013)

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