JORGE DE LIMA
II
Era um cavalo todo feito em chamas
alastrado de insânias esbraseadas;
pelas tardes sem tempo ele surgia
e lia a mesma página que eu lia.
Depois lambia os signos e assoprava
a luz intermitente, destronada,
então a escuridão cobria o rei
Nabucodonosor que eu ressonhei.
Bem se sabia que ele não sabia
a lembrança do sonho subsistido
e transformado em musas sublevadas.
Bem se sabia: a noite que o cobria
era a insânia do rei já transformado
no cavalo de fogo que o seguia.
III
Qual um fagote inúmero a ave aquática
com uma ostreira de teclas submarinas,
os sons encachoeirados estrugindo
pelos goles das águas empoladas
conclamando os delfins de rosto humano,
cabeleiras de polvos e de fúrias,
com um severo clangor, uma lamúria,
um apelo profundo, tão insano
desse mar que nos mapas não se vê,
abrasado de raios e ardentias,
devorado por duendes que eram seus,
e voz tão rubra de cains oriunda;
que as águas se enrugavam e a ave ia
ia perder-se nos confins do mundo.
IV
Era um cavalo todo feito em lavas
recoberto de brasas e de espinhos.
Pelas tardes amenas ele vinha
e lia o mesmo livro que eu folheava.
Depois lambia a página, e apagava
a memória dos versos mais doridos;
então a escuridão cobria o livro,
e o cavalo de fogo se encantava.
Bem se sabia que ele ainda ardia
na salsugem do livro subsistido
e transformado em vagas sublevadas.
Bem se sabia: o livro que ele lia
era a loucura do homem agoniado
em que o incubo cavalo se nutria.
V
Entre livro e cavalo o homem instalou
duas escadarias e uma bússola;
depois verificou que sendo duplas
as suas asas dúbias, duplo o vôo.
Pousou na escuridão, e repousou,
pois era o dia sete de seus súcubos.
Foi quando se exclamou: Faça-se a luz.
E a luz dentro das trevas se formou.
Moldoror! Mal-e-horror! ó terra nata,
tão empresa, tão ébria, tão perjura
e sempre, e ao mesmo tempo tão amarga!
Que lume bruxuleia sobre as vagas?
Candelabro ou veleiro ou raio obscuro
que ora sobe na proa ora se apaga?
(do "Canto IV / Aparições" de Invenção de Orfeu, 1952)
II
Era um cavalo todo feito em chamas
alastrado de insânias esbraseadas;
pelas tardes sem tempo ele surgia
e lia a mesma página que eu lia.
Depois lambia os signos e assoprava
a luz intermitente, destronada,
então a escuridão cobria o rei
Nabucodonosor que eu ressonhei.
Bem se sabia que ele não sabia
a lembrança do sonho subsistido
e transformado em musas sublevadas.
Bem se sabia: a noite que o cobria
era a insânia do rei já transformado
no cavalo de fogo que o seguia.
III
Qual um fagote inúmero a ave aquática
com uma ostreira de teclas submarinas,
os sons encachoeirados estrugindo
pelos goles das águas empoladas
conclamando os delfins de rosto humano,
cabeleiras de polvos e de fúrias,
com um severo clangor, uma lamúria,
um apelo profundo, tão insano
desse mar que nos mapas não se vê,
abrasado de raios e ardentias,
devorado por duendes que eram seus,
e voz tão rubra de cains oriunda;
que as águas se enrugavam e a ave ia
ia perder-se nos confins do mundo.
IV
Era um cavalo todo feito em lavas
recoberto de brasas e de espinhos.
Pelas tardes amenas ele vinha
e lia o mesmo livro que eu folheava.
Depois lambia a página, e apagava
a memória dos versos mais doridos;
então a escuridão cobria o livro,
e o cavalo de fogo se encantava.
Bem se sabia que ele ainda ardia
na salsugem do livro subsistido
e transformado em vagas sublevadas.
Bem se sabia: o livro que ele lia
era a loucura do homem agoniado
em que o incubo cavalo se nutria.
V
Entre livro e cavalo o homem instalou
duas escadarias e uma bússola;
depois verificou que sendo duplas
as suas asas dúbias, duplo o vôo.
Pousou na escuridão, e repousou,
pois era o dia sete de seus súcubos.
Foi quando se exclamou: Faça-se a luz.
E a luz dentro das trevas se formou.
Moldoror! Mal-e-horror! ó terra nata,
tão empresa, tão ébria, tão perjura
e sempre, e ao mesmo tempo tão amarga!
Que lume bruxuleia sobre as vagas?
Candelabro ou veleiro ou raio obscuro
que ora sobe na proa ora se apaga?
(do "Canto IV / Aparições" de Invenção de Orfeu, 1952)
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