[Hoje tive que ir a um hipermercado. Tinham livros baratíssimos, e, entre eles estava O Lugar do Amor - uma edição belíssima, com um retrato do autor pelo incomparável Mário Botas. Trouxe os dois exemplares que lá estavam, mesmo sabendo que já tinha um cá em casa. Vou dá-los a quem mos pedir.]
ANTÓNIO OSÓRIO
Nasceu em 1933, em Setúbal.
Filho de Pai português e Mãe italiana. Advogado, foi Bastonário da sua Ordem. Começou a publicar poesia em 1972.
Está a ser publicada a sua poesia completa.
Amo-te
com pressa
de não acabar o amor.
*
Entrar contigo
dentro das searas
e depois
trigo
sairmos da terra.
*
Amo os loucos,
crianças tagarelando
que descobrem, instante
a instante, o mundo
e tudo enovelam
à sua translúcida maneira.
Não possuem maldade,
Mas ignorado amor
E incapaz poesia.
*
Gratidão de ser
por estes anos
e partículas restantes.
Pela amizade,
que chega a confundir o amor.
Pela bondade,
que torna a solidão desvalida.
Pela hombridade,
à altura do céu.
Pela beleza,
que só à santidade
sobrepassa.
E é flagrante, perdulária,
noutros renascente.
Gratidão
que nem sabe
a quem deve ser grata.
Pelas aves nutrindo os filhos
de penugem e voo.
Pela lentidão escrupulosa
da tartaruga, igual à de Plutão.
Pela leveza materna do vento
transportando pólen.
Pelo calor humílimo
da joaninha sobre a nossa mão.
E por estar na terra
uma só vez, ao sol,
nada pedindo, nenhum segredo,
como um velho lobo-do-mar.
CAMÕES
Lia-me Camões meu Pai.
A tristeza de ambos
se juntava, em mim crescia.
E a voz, a inalterável
mergulhia das palavras
procriavam sarmentosos liames.
(Basílico a Mãe depunha no lume,
a carne com alecrim perfumava).
O livro de carneira negra,
as letras juntas em oiro:
morros, alusões, muros
verdentos, o último da vida ouvia.
Amor doía, emaranhava.
Mordaça invisível. Em lágrimas,
minhas, de meu Pai e de Camões, voava.
(de O Lugar do Amor, Moraes editores, 1985 - Círculo de poesia)
Ladainha dos póstumos Natais
Há 1 hora
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